PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
Corpo do artigo
1 - A avaliação da qualidade de um jogador depende, muitas vezes, não só do seu verdadeiro valor mas de preferências de estilo que, sendo transmissões diretas de sensações, o podem rotular logo à partida e, assim, condicionar todo o processo.
O goleador que se revela esta época na Champions é, nessas amarras de avaliação estilística, um caso exemplar. Sebastian Haller, o elegante n.º 9 do Ajax, foi condenado em Inglaterra, quando, no West Ham, todos os elétricos adeptos ingleses e o seu treinador de então, David Moyes, não entendiam essa sua expressão corporal pouco agressiva e o ritmo lento com que, apesar do seu 1,90m, se fazia às bolas que lhe surgiam à frente entre os duros centrais adversários que, perante essa sua passada de pantera cor-de-rosa, chegavam sempre primeiro e roubavam-na ao tal avançado que de início tanto prometia mas, depois, em campo, passava ao lado da... velocidade do jogo.
Moyes e os adeptos queriam outro tipo de ponta-de-lança. Mais do que avaliar o jogo que ele fazia, queriam explosão e revolta. Estilos que, antes de tudo, são atitudes competitivas (ou meros estados de espírito), mesmo que, no rigor de uma avaliação mais técnica, ficassem atrás do tal estilo dengoso de jogar daquele n.º 9.
No período em que continuava a colocá-lo a jogar perante desespero dos adeptos, Moyes chegou a dizer que "se sorrisse em campo de vez em quando também podia ser bom!". O futebol de Haller tinha sido, pura e simplesmente, devorado pela sua expressão de estilo.
2 - Em termos técnicos, nada disto faz sentido mas no espírito e estilo pretendido faz. Assim, quem entrou para o seu lugar, levantando enlouquecido os adeptos a cada arrancada veloz atrás da bola, mesmo que a dominasse (isto é, tocasse) como se tivesse picos e voltasse a correr (mais do que todos os defesas) atrás dela até rematar, foi um avançado antes extremo, o musculado morfologicamente entroncado Micael António. Noutras vezes, convertia a n.º 9 um rebelde austríaco (filho do estilo-Ibra) que discutia com tudo que mexia em campo, Arnautovic.
Haller foi então para o Ajax e num habitat mais acolhedor para o seu estilo, rodeado de alas, médios-ofensivos e segundos avançados (Tadic, Berghuis, Antony....) desatou a marcar golos de todos os efeitos. Sem mudar o estilo, claro.
3 - Está com 27 anos e, por fim, após crescer na formação do Auxerre (e tendo jogado nas seleções jovens francesas), aceitou jogar pela seleção nacional da Costa do Marfim, onde estão as suas origens. Vai, agora, jogar a CAN e, por fim, algum sangue expressivo saiu dele nas últimas semanas quando questionado se tinha hesitado em ficar este mês no Ajax ou ir jogar com a sua seleção. Revoltou-se, apelidando a questão de colonialista porque "isso é uma falta de respeito por África! Fariam essa pergunta a um europeu antes do Campeonato da Europa? Claro que vou jogar a Taça de África!".
A pergunta, obviamente, não tinha essa conotação e questionava sobretudo o facto de a CAN se jogar em janeiro ao mesmo tempo das ligas europeias.
4 - O mais curioso, porém, é verificar que o West Ham se fixara nele após os golos que marcou na Bundesliga pelo Eintracht Frankfurt (em duas épocas fez 33 golos e 19 assistências em 77 jogos). Nunca teve, porém, um estilo diferente, mas a equipa tinha um tipo de jogo que o favorecia mais e não pedia explosividade em espaços longos a arrancar desde muito longe da baliza, o futebol típico daquele West Ham de Moyes (com Antonio).
Ou seja, quando se contrata um jogador é fundamental perceber como ele joga e não só o seu rendimento (vendo meros registos de passes/golos), porque tudo pode antes ter sido feito num contexto totalmente diferente. Como diria Bielsa, nunca cometas o erro de pedir a um jogador lento que voe, nem cortes as asas a um rápido. Haaler não voa. É uma perigosa "avestruz n.º 9" que se torna inofensivo longe da área porque não tem poder para atravessar esses 40 metros que o separam da baliza com a velocidade que é necessária num tipo de jogo que o coloca tão distante dela por princípio.
Como joga a revelação argentina Julían Álvarez?
Percorrendo o mundo em busca de goleadores, um exemplar que cativa é um "pibe" argentino de 21 anos que despontou no River Plate, da formação à primeira equipa, onde no último ano fez 29 golos e 17 assistências em todas as competições. É Julían Álvarez, avançado-centro com centro de gravidade baixo (1,70m) que lhe permite, levezinho mas destemido, fugir aos defesas com jogo de cintura raticida e surgir depois a finalizar. Vai agora, naturalmente, com a idade e exigência crescente, engrossar muscularmente mas sem perder a sua essência. Poderá ser decisivo se vier jogar para a Europa (o que acontecerá mais tarde ou mais cedo).
Em rigor, desde a formação, Álvarez nem é um n.º 9 puro. Jogou sempre mais solto, quase segundo-avançado móvel que se associa muito bem e surge desde trás a fugir às marcações. Tanto tabela e cria lances de golo, como surge ele, oportunista, para finalizar.
Este tipo de ponta-de-lança falso é cada vez mais um exemplar (de aparecer e desaparecer entre os centrais adversários) glorificado pelas tendências dos princípios de jogo ofensivos dominantes no atual futebol europeu.
O mais natural, seguindo outros exemplos, é entrar na Europa para uma chamada liga incubadora, como a holandesa, onde os avançados se podem mover sem grandes amarras e, ao mesmo tempo, aprenderem a noção de jogar em espaços mais curtos. A qualidade, essa, está dentro dele.
Estilo Hateley
Pensando em avançados que no passado também ficaram alto turvados pelo estilo, recordo, nos anos 80/90, dum ponta-de-lança inglês alto (1,91m) que, mesmo reconhecendo-lhe valor (foi à seleção, jogou Mundial 86 e Euro 88) também lhe pediam mais atitude. Era Mark Hateley. Foi do Portsmouth para o Milan em 84, passou pelo Mónaco, mas seria no Rangers que faria mais golos na carreira. Sabia lutar entre os centrais mas não entrava duro nas bolas pelas alturas embora fosse muito bom no jogo aéreo. Tinha.... estilo!