PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Um clássico com o título preso por uma corda de dez pontos (vantagem do Benfica) e, na outra ponta, o orgulho (caráter do FC Porto).
Poderia, nesta perspetiva (comparando menor pressão-necessidade de ganhar) prever-se que qualquer equipa poderia assumir a iniciativa atacante.
Primeiros sinais: a pressão alta do FC Porto e a tentativa de controlo do Benfica. A afirmação portista assumiu-se desde a primeira jogada mas entre antecipar e esperar momentos, um jogador numa jogada subiu acima do que as duas equipas diziam: Gonçalo Ramos. Tem hoje uma presença ofensiva além de um nº9. A noção de como uns passos à frente ou uns passos atrás (curtos metros) fazem a diferença no jogo de marcação - desmarcação (entenda-se aqui metro quadrado livre na área) para fugir ao defesa. Foi o suficiente para aquele cabecear para golo como depois não foi a tempo para fugir à "sabedoria matusalém" de Pepe que lhe fechou o 2-0.
2 O amparar com a bola no peito para apoiar Uribe que rematou para golo e o bater no peito para puxar do orgulho de Sérgio Conceição.
Nesses dois gestos, o FC Porto construiu a jogada e o caráter para empatar o jogo (que só seis centímetros evitaram o virar do resultado na simplicidade do passe-velocidade-remate de Galeno).
Nesse momento, o bloco portista já tinha comido os metros da tentativa de controlo inicial do Benfica e explorando os três corredores com o radar central de Otávio (alternando entre a pele de médio e avançado, atrás de Taremi) pegou no jogo e dominou-o em todos os quadrantes e pedacinhos de relva (a níveis táticos e mentais).
Um crescimento que se manteve vindo dos balneários quando se sente mais o impacto das palavras dos treinadores aos jogadores.
Foi quando Conceição jogou a "meio do jogo" acima de Schmidt, que não teve forma de mudar a pressão portista que levou o jogo para bolas mais longas que obrigavam, depois, as equipas sobretudo a lutar sempre pela "segunda bola" para o qual o ADN de jogo portista está mais vocacionado.
Nunca foi uma questão de estratégia (apenas em nuances de marcações) foi sempre questão de identidade.
3 O início de controlo benfiquista teve a marca de identidade tática-controladora habitual com quatro médios a toda largura do campo mas nunca conseguiu, perante a superior atitude pressionante portista, efetuar a habitual rotação de cobrir sem bola ou construir em posse).
O meio-campo de segurança Grujic-Uribe , uma dupla de médios centro "mordedora" e diferenciadora da expressão de jogo mais "soft" Florentino-Chiquinho. Um rigor defensivo também nas faixas com Galeno e Pepe a cobrir o espaço de embalo dos laterais encarnados, sobretudo o perigo Grimaldo.
Cada vez é mais comum ligar o futebol ao xadrez no sentido de refletir a nuvem tática que cada vez mais paira sobre as duas equipas, mas o subversivo é que existem sempre jogadores que perante as ideias coletivas conseguem levar (pelas jogadas) o jogo para o terreno que só eles controlam.
Nesse sentido, o segredo, muitas vezes, para ultrapassar esta sucessão de cadeados não está em ocupar em antecipação o lugar do adversário, mas sim ocupar e invadir espaços diferentes, imprevisíveis, vazios, e neles desequilibrar o tal xadrez previsível de marcações destes grandes jogos em que as equipas colocam a disciplina em cima da liberdade. O FC Porto explicou e fez isso em todos momentos do jogo.
A personalidade de uma equipa sem medo do destino que retirou do jogo a habitual máquina de posicionamento tático de Schmidt.
Como um golo de "chaplin"
Ele já fez isso outras vezes. Mesmo num jogo da Seleção. De cada vez parece, porém, mais poético, como se fosse Chaplin a fazer um golo. É ver o sorriso na cara de Rafael Leão ainda o seu remate vai a meio, mas ele vendo o caminho que a bola leva da baliza, já sorri antecipando o fim, o golo. Neste último, contra o Nápoles, foi quase trocista, num pequeno chapéu à saída do guarda-redes. A foto (que torna a imagem estática) e as repetições (que em câmara lenta permitem ver o sorriso a abrir-se) mostram o momento mágico. No fundo, ele só mostra como Leão vive e sente o jogo. Naquele instante de decisão máxima, a tensão desaparece e vê-se o sorriso do futebol.
É curioso ver como será dos jogadores que mais tentam mudar na forma de jogar quando vem à Seleção ou até quando lhe fazem algum crítica. Que aqui tem de correr menos aquele jogo de explosões e jogar mais apoiado. Que tem de defender mais ou que precisa de aprender a travar e não jogar sempre em busca da velocidade. Posso até entender, pela tática ou equipa onde joga o que querem, mas não consigo repetir isso duas vezes. Podem pedir-lhe tudo mas nunca lhe peçam para deixar de ser o que é: correr atrás da bola e sorrir quando a vir a caminho da baliza antes de entrar. É futebol com cara de pátio de escola!