FOLHA SECA - Opinião de Carlos Tê
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O Porto tem-se dado melhor na piscina dos grandes do que na bacia dos pequenos. O adepto ainda não sabe se lhe custa menos perder jogando bem contra o Barcelona ou empatar contra o Arouca jogando mal. Um dilema dispensável.
O árbitro poupou o Barça (o mesmo inglês que Mourinho confrontou na garagem dum estádio em Budapeste por lhe negar um penálti na final da Liga Europa), mas as queixas próprias superam as do arbitragem.
Pêpê não pode hesitar em frente à baliza na ânsia do golo cantado, permitindo ao defesa que tome café e venha a tempo do desarme. É tão grave como o passe comprometedor de Baró, ou como os remates pífios de Taremi e Eustáquio para as mãos do guarda-redes. A chatice é que o erro de Baró traduz o resultado final e esbate a ineficácia dos outros.
Vacilar na hora H remete para a palavra classe, uma abstracção pomposa que explica o sortilégio de aparecer na hora certa e não quando o rei faz anos. Tem a ver com um cocktail de competências que se adquire em idade juvenil e que o profissionalismo desenvolve, se não asfixiar. Iván Jaime está nessa categoria, encara ambientes escaldantes como quem joga matraquilhos com os amigos, mas Galeno falhou etapas e é inconsequente. Fez um bom jogo na quarta-feira - apenas traído pela necessidade de mostrar o que não tem com toques de calcanhar disparatados. O seu percurso lê-se no esgar de impotência quando falha um remate por uma unha negra após um galope promissor. Mas talvez venha a superar as limitações.
O caminho para encurtar essa unha negra é o Santo Graal que todos os jogadores buscam mas só uma minoria descobre. Neste FCP soma-se a história do hábito e do monge: veste-se de azul e branco Eustáquio e Taremi e espera-se a transfiguração. Tem acontecido, mas raramente quando é urgente, como contra o Barcelona. Saltar do Paços de Ferreira e do Rio Ave para a Champions equivale a saltar dos Plebeus Avintenses para a Broadway. A varinha do treinador pode guindar jogadores aplicados a um patamar competitivo elevado e, numa noite boa, encostar às cordas um Barça longe dos melhores dias, obrigá-lo a sobreviver à custa de cartões amarelos, mas desta vez não deu para ganhar, o fantasma da unha negra pairou sempre por perto.
Perder bolas em zonas proibidas revela a atracção pelo abismo que o jogo grande oculta na caçarola. É visível no gesto excessivo de desinibição que visa disfarçar o pânico, no adorno dum lance que deixa o estádio à beira da apoplexia por roçar a displicência. Ao aliviar o peso da samarra, o jogador baixa a guarda por um segundo e abre a porta ao erro de principiante.
Foi o caso de Baró, um diamante que duvida do seu quilate. O estádio sabe disso e acarinhou-o, Conceição protegeu-o. O erro faz crescer, mas o futebol é cruel e exige poder de encaixe. Quando nos pedem aos gritos o saleiro debaixo do nariz e só se vê o pimenteiro, é preciso olho vivo e desconfiar de cada sombra em campo. Há que agarrar a oportunidade - não como se fosse a última mas como se fosse a primeira de muitas.