PLANETA DO MUNDIAL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Se existe futebol no paraíso, de certeza que será algo assim. O problema é que, pelo visto nesta maravilhosa final do Mundial, se igualmente existe no inferno também o deve ser.
Nessa diferença de existências supra-terrenas, a Argentina sentiu mais o que eram as duas emoções. Tocou o céu com uma exibição perfeita na primeira parte, ganhava 2-0 a dez minutos do fim, até que apareceu um relâmpago francês no jogo e (com dois golos em dois minutos) levou a equipa até às profundezas. O prolongamento e penáltis seguiram a mesma história que parece escrita sobre a forma dramática como os argentinos vivem cada jogo: só a Argentina sabe ganhar sofrendo assim!
2 - Foram, porém, razões tático-terrenas que provocaram estas viagens no jogo. A avassaladora primeira parte argentina baseou-se numa pressão intensa sobre a bola (e espaços) para depois abrir na esquerda com a velocidade de Di María, conquistadora de profundidade.
Ele foi o grande golpe tático de Scaloni que, assim, montava um 4x3x3 com cara de 4x4x2 pela forma como De Paul fazia a faixa direita, fechando-a ou subindo em apoios, largando Messi para inventar com Álvarez como nº9. No centro da sala de máquinas, o "pibe" Enzo Fernández, roubando bolas e entregando-as com as mesma agressiva doçura, e, talvez o jogador menos destacado mas dos mais influentes, MacAllister a agarrar as transições (defensiva e ofensiva).
Deschamps olhou para todos os locais do relvado para encontrar razões e soluções para o que estava a suceder e o que fez foi de coragem máxima de um treinador. Em momentos diferentes, tirou Giroud e Griezmann, os craques "9" e "10" que antes o tinham feito ganhar. Estaria louco? Não.
3 - Este foi um desafio também muito jogado pelos treinadores. A reação de Deschamps agitou-o então montando um 4x4x2 com Coman e Muani nas alas, e libertando Mbappé para jogar mais pelo meio ou onde quisesse, com Thuram por perto. Um quarteto "puro-sangue" ofensivo que assaltou o território defensivo das "pampas" e, com um impacto tremendo, empatou o jogo.
Nessa altura, porém, Scaloni, já querendo fechar os dois flancos, tirara a seta Di María e metera Acuña para cerrar os dentes e a faixa. Assim, cedo demais foi perdendo contra-ataque e acabou enclausurado atrás.
É tentador ligar o resultado a lances-chave. Se tivesse de escolher um, era a defesa monstruosa de "El Dibu" Martinez, com um pé sagrado, evitando o 4-3 no último instante (valeu mais que o penálti no desempate).
O momento em que Messi ergueu a Taça do Mundo 36 anos após Maradona, é como um gesto que abraça dois momentos mágicos e une dois jogadores de "outro mundo" que, pelo génio, fazem do futebol, no acariciar da bola e no saber e respeito com que o tratam, o mais fascinante e lindo jogo deste planeta que, afinal, também é uma bola!
Scaloni e como assusta Mbappé
Scaloni conseguiu, neste ciclo desde 2018, dar uma consistência coletiva à seleção argentina que antes não tinha. Ganhar Copa América e Mundial resultou desse maior equilíbrio (porque o génio de Messi esteve sempre lá) mas nessa preocupação de defender melhor acaba, muitas vezes, a recuar a equipa cedo demais no jogo em termos de comportamento do meio-campo (quer mudando o traço desses médios, como sucedeu na troca Di María-Acuña, como na opção de, por vezes inicial, jogar com três centrais, o que dá versatilidade tática à equipa mas retira-lhe saída rápida em largura). É um receio tão natural como ameaçador da melhor identidade da equipa.
Deschamps fixou o 4x2x3x1 (onde Tchouameni já ganhou raízes como um "6" posicional de referência) mas já provara antes muitos outros sistemas. Por isso, o 4x4x2 funcionou logo. Giroud estourou uma garrafa no chão, mas naquelas alterações (como a de Griezmann) esteve a afirmação definitiva do "terramoto de futebol" que é Mbappé. As suas explosões e mudanças de velocidade com drible curto incorporado são estratosféricos. Foi mais que toda a equipa nos momentos de reagir a um jogo que parecia perdido. A próxima década é dele. Basta estar nos locais certos (solto na seleção e, sobretudo, noutro clube e campeonato).