Palavras de Varandas sobre Pinto da Costa são de grande insensatez e muito perigosas
PASSE DE LETRA - Opinião de Miguel Pedro
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René Girard, filósofo e polímato francês e um dos meus autores favoritos, tem - entre muitas outras coisas - uma das análises sobre a violência fundante das comunidades humanas mais completa e esclarecedora que eu conheço. Para Girard, a violência das comunidades humanas vai crescendo em função das tensões internas resultante das rivalidades miméticas (o desejo mimético é a vontade de ter o que o outro possui), ao ponto de ameaçar a existência da própria comunidade.
É então que surge um mecanismo psicossocial surpreendente: toda a violência social é projetada sobre um único indivíduo ou grupo de indivíduos, que são considerados os culpados dos males da sociedade e objeto de violência e execução, pacificando a tensão social, ao transformar antigos inimigos em amigos, unidos na execução da violência contra um inimigo comum.
É o mecanismo do "bode expiatório", expressão que Girard retira da bíblia hebraica, que traduz a culpabilização, morte ou expulsão de alguém como algo útil para a regeneração da paz comunal e normalização das relações sociais.
Aconteceu assim ao longo da história da humanidade, como, por exemplo, com os judeus no nazismo, com os grupos sociais objeto das purgas estalinistas ou, mais recentemente, com os alegados "nazis ucranianos" para o sistema putinista.
O desporto, que deveria ser um espaço comunitário de solidariedade e de partilha, sofre também deste mal. Líderes mal preparados e emocionalmente desequilibrados recorrem ao discurso expiatório, para culpar outros pelos seus próprios fracassos, aumentando a violência num mundo cada vez mais violento.
As palavras de Varandas a respeito do seu homólogo portista, acusando-o de ser um corruptor nato - independentemente do que a justiça disser (?!), segundo as suas próprias palavras - tem esta lógica expiatória: numa época que correu menos bem ao Sporting, nada melhor do que dirigir a violência latente da sua comunidade para um "outro", um dirigente de um outro clube que, sendo um criminoso nato, preenche bem as condições de um bode expiatório.
São palavras de grande insensatez e muito perigosas, pois farão disparar, a curto prazo, os níveis de conflituosidade entre adeptos dos dois clubes. O mundo já está suficientemente perigoso e violento. Não precisamos que o desporto seja uma varanda para aumentar essa violência.