FOLHA SECA - Um artigo de opinião de Carlos Tê.
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A novela das transferências é um ritual obrigatório de início de época, um solstício mediático da bola condimentado pela expectativa e pela indefinição.
No FCP, a indefinição é maior devido à mosca da UEFA que esvoaça há alguns anos sobre as contas. O administrador financeiro veio alertar para a necessidade de vender jogadores até fins de Junho, mas terá sido leitura precipitada da conjuntura, ou um erro de comunicação, daí ter vindo explicar-se em entrevista a este jornal: afinal não há risco de incumprimento, conforme a UEFA acaba de atestar.
Enquanto gatinha a temporada, remói-se ainda o título perdido, que foi menos duro de engolir graças aos três troféus arrebatados. O pano esticou demais e esgaçou num ponto da época em que recuperar terreno seria milagre. Nenhum reforço reforçou, nem nenhum jovem se afirmou, o que levou Conceição a espremer a equipa campeã e a injectar suplementos de raça e crença onde faltou a arte, e isso tirou discernimento, como admitiu o próprio, sobretudo em casa contra equipas pequenas e bem organizadas e com jogadores empenhados em dar no olho.
As taças amenizaram a acidez, embora para os portistas o céu seja o limite, mesmo de pés atados à terra pelas contas. Sem gazuas para abrir muralhas, a despesa recaiu sobre Otávio que, além de carregar o piano, ainda o afinou e tocou, com o auxílio de um Taremi voluntarioso. Correu-se muito, nem sempre bem, mas ainda assim o fluxo ofensivo merecia outra expressão, tivesse sido a hora de Evanilson, de quem tanto se esperava, ou do esforçado Martínez. Também não foi o ano de Pepê, um solista imolado à polivalência da engalinhada ala direita.
E há aspectos que os atentos treinadores de bancada não se cansam de analisar nas tertúlias e nos fóruns: uma equipa de topo tem, em média, dois livres frontais por jogo, e o Porto não concretizou um único. Relembram Celso, Geraldão, Branco, Zé Carlos, defesas que acumulavam o posto com um pé canhão, tal como relembram Sousa, Zahovic, Deco, Alex Telles, ou o mais recente Fábio Vieira, que partiu precocemente para apaziguar a mosca Uefeira. E, conhecendo o papel da meia distância na desobstrução de jogos mais cerrados, estranham não haver no plantel um especialista. São contas dum rosário que lhes escapa.
Também faltou a Conceição resistir à provocação. Deixar-se provocar é dar trunfos a adversários que sabem o que a loja gasta, mas ele decidiu que é tarde para mudar. Também ajudava ter um dirigente no banco que desviasse os salpicos de gasolina em vez de acender o isqueiro. É lugar que pede nervos de aço. Luís Gonçalves devia ver uns vídeos de Reinaldo Teles: tantos anos de banco e um historial de calma perto do irrepreensível.
Entretanto, o suspense continua: resistirá Otávio ao cerco árabe? Irá Conceição fazer omeletas XL com ovos tamanho M? Às vezes, com pouco faz-se muito, basta ouvir mais o treinador nos reajustamentos do plantel, para que haja menos desacerto e a mosca seja enxotada duma vez das contas. Parece que é isso que está a acontecer.