PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - De repente, era como se ele tivesse o comando da televisão. Carregou no "play" para arrancar com a bola desde antes do meio-campo, sobre a faixa esquerda, avançou, controlou a velocidade e, quando entrou na área como que fez "pause" (a pausa dos craques que marcam outro ritmo, só deles, no jogo) parando a imagem e o resto dos jogadores, sobretudo os que o marcavam, até, subitamente, carregar outra vez no "play"(jogar) e rematar, sem perguntar nada, metendo a bola na baliza, simples, com o guarda-redes ainda estátua.
Foi assim que vi, ou melhor, senti, o golo de Samuel Lino frente ao Benfica. Um jogador que rouba o comanda o televisão só para ele. Um mistério dentro dum coletivo que respeita e potencia o seu talento, com Pedrinho a tocar em todas as teclas certas da máquina fazendo a equipa ter o "batimento tático-cardíaco" sempre certo.
2 - É difícil analisar o atual momento do futebol benfiquista a partir de avaliações individuais. Essa visão perturbadora é tanta que, nesta fase, todos os jogadores parecem valer muito menos do que verdadeiramente valem. Sente-se que desconfiam de tudo e todos. Até Weigl, barómetro da saída de bola, falha passes curtos. Uma questão que se tornou mental mas que nasceu quando tudo foi colocado em causa.
Em termos coletivos, a análise já é, porém, mais pragmática. A mudança de sistema em que Veríssimo apostou (4x4x2 e agora 4x3x3) revela ainda mais esta indefinição e hesitação exibicional. O choque com as ideias de Jesus confundiu ainda mais a qualidade de todos os jogadores ao ponto de se colocar tudo em causa. É, por isso, injusto culpabilizar individualmente as más exibições de qualquer jogador num cenário coletivo destes (em que o onze-base também muda de jogo para jogo). A derrota com o Gil começou, assim, na própria equipa encarnada e, só depois, no jogo seguro da organização do "onze galo" de Ricardo Soares.
3 - A forma como Rúben Amorim abordou os reforços leoninos neste mercado revela a cirurgia dessas opções. Edwards já jogou vinte minutos três dias após chegar e percebeu-se logo por que vinha. Traz, pelos seus traços diferenciados, uma sub-dinâmica para, ao contrário de mudar o jogo coletivo, potenciá-lo de forma individual. Tem um poder de ir para cima dos adversários que pode abrir mais "latas defensivas" no um-para-um, em comparação com a geometria dos passes de Pedro Gonçalves ou Sarabia.
O caso de Slimani (ver coluna ao lado) é diferente. Entre saber como dar novas nuances ao modelo de jogo e sistema incorporado já cimentado (o que fará Edwards) e como potenciar a transformação (por opção ou como plano alternativo) para outro modelo (o que pode fazer Slimani), existe uma grande diferença na lógica de contratação destes dois jogadores.
Slimani, o jogador "alternativo"
Será mais do que, como disse Amorim, só para acompanhar a transformação de jogo da equipa que mudou desde a última época. A opção por ter Slimani, passa por ter um jogador não só que faça coisas diferentes numa mesma posição do sistema (como Edwards) mas por ter alguém que potencia outra forma de jogar.
Ou seja, mais do que acompanhar em campo a subida do bloco da equipa em relação à época de passada, ele surge como personificação dum plano alternativo para corresponder a outro modelo de jogo, diferente do preferencial (apoiado) nos princípios ofensivos, e que costuma surgir mais em momentos finais de ataque continuado com mais cruzamentos (altura em que é usual subir Coates para fazer de ponta-de-lança). Com Slimani, pretende-se que seja ele a assumir esse ataque ao jogo aéreo.
O risco que se corre é, quando for ele titular, tal confundir o modelo preferencial apoiado, se a equipa ficar mal-educada ao ponto de passar para um jogo de cruzamentos mais direto. Amorim, acredito, terá em mente essas propriedades de princípios de jogo (e modelo). A alternativa nunca poderá sobrepor-se à opção inicial que sustenta uma eficaz identidade solidificada.
Acrescentar mais soluções é uma coisa, transformar uma forma de jogar é outra.