PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Duas formas diferentes de expressar futebol em espanhol. A agressividade com baliza a atacar a bola entre os defesas de Toni Martínez; a criatividade tecnicista a encarar os adversários no espaço ou um-para-um de Iván Jaime.
Através destes dois jogadores podiam ver-se as distintas expressões de jogo que FC Porto e Famalicão tinham na partida.
A forma como esta decorreu também ajudou a destapar essas características tão diferentes mas igualmente ameaçadoras. Esteve na necessidade de reagir ao jogo (o bom início com golo do Famalicão) o impulso para o jogo portista pensado no plano para atacar circulando a bola (com Otávio no meio e Pepê vindo desde a faixa) a ter antes de o fazer atacando mais a profundidade com a bola metida para os dentes cerrados de Martínez a perseguir.
2 Não era, porém, essa atitude reativa que Conceição imaginara para o jogo. Foi quando meteu Taremi e resgatou os princípios do 4x4x2 é que ocupou melhor os últimos 30 metros (enquanto o 4x3x3 até pode ocupar os mesmos metros mas mais atrás, no meio-campo), só que o cansaço acumulado da equipa (e que já levara à saída de Pepê lateral) não deixava o seu futebol ganhar velocidade. A saída de Manafá foi uma precipitação ditada por um hábito tático enraizado.
O prolongamento trouxe mesmo à equipa o teste à importância de saber jogar cansada. Quase uma arte no atual futebol físico de tantos jogos seguidos. Fez isso segurando e trocando a bola, não concedeu nenhum ataque ao Famalicão e no último instante a bola foi ter com Otávio, como que reconhecendo quem a trata melhor. Ficou a saltar à sua frente e saiu disparada, obedecendo ao dono, para as redes.
3 O poder deste trabalhado Famalicão mete imaginação com o deambular entre linhas de Iván Jaime e Ivo Rodrigues nas costas dum nº9 pernilongo, Cádiz, e é precedido de um forte duplo pivô de cobertura e pressão, a dupla Zaydou-Colombatto. Sabe meter estas variantes dentro do bloco adversário e não receou que o jogo ficasse mais aberto ou fechado. Faz "campo grande" a atacar e logo torna-o "pequeno" e o seu 4x3x3 de origem fica numa "linha de 5" a defender com o poder de Dobre, depois Sanca, extremo de longo curso a atacar e recuar.
O calculismo que se sentiu nas duas equipas com o passar do tempo na segunda parte levou a um "jogo de encaixes". Iván Jaime é, porém, um puro sangue de "salero com bola", a criação que leva o jogo para locais que só ele sabe existirem e lá chegar. Essa sua primeira fuga ao tal "jogo encaixado" bateu no poste, a segunda fez dançar a defesa portista e marcou. Afinal, de Espanha, podem, futebolisticamente, vir bons ventos e bons casamentos.
A equipa conseguiu responder sempre ao que o jogo lhe pedia mas o sobrenatural de Otávio subiu acima das análises terrenas.
Golo e jogo: Haaland e Guardiola
Numa análise linear, parece uma cedência do estilo de Guardiola para chegar ao golo de forma mais direta. Haaland não é, porém, um jogador que traia qualquer filosofia de jogo. Ele é um ponta-de-lança exterminador supra-estilo, num nível superior a qualquer modelo de jogo. Marca golos em qualquer estilo, seja no ataque à profundidade (como fazia mais em Dortmund) como atacando a bola após um ataque mais organizado (como muitos em Manchester). É o elo final que se adapta a todos os tipos de jogo que se faz até a bola lhe chegar para remate.
Ou seja: o estilo de jogo do City mantém-se. A forma de finalizar multiplicou-se. Porque Haaland vive acima da equipa e marca das diferentes formas: da mais tradicional da fórmula-Guardiola após teias de aranha de posse e, da outra, aproveitando explosivo a exposição espacial que pede o passe mais direto na profundidade (a sub-dinâmica de ataque à finalização que Guardiola não tinha).
É um poder finalizador que passa por cima dos adversários como da filosofia de jogo da sua própria equipa. Neste caso, deu esse poder ao estilo-Guardiola como daria, num polo oposto de estilo, ao de Simeone. O jogo, no modelo coletivo, até pode ser dos treinadores mas o golo, como poder individual, será sempre do jogador.