PLANETA DO MUNDIAL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Mais do que um jogo, foi sentir que se jogava com a história. É incomensurável imaginar a dimensão de mundos que hoje se expressam ou escondem no imenso Irão.
Uma exibição empolgante emocionalmente e completa taticamente. Duas formas de jogar e ganhar o mesmo jogo, disputado em planos diferentes, primeiro na cabeça desses jogadores e depois na relva, com a bola.
São apenas onze jogadores de futebol a entrarem em campo para viver o sonho de jogar um Mundial com um país que adora futebol a vê-los, mas a consciência do mundo não consegue ver este cenário assim isolado e, durante dias infinitos, meteram os mesmos homens dentro dum debate sobre o regime político hediondo que os rege e são obrigados a viver.
Metralharam-nos com perguntas sobre essa realidade paralela. Quando eles só queriam falar sobre futebol (mesmo tendo, de forma inteligentemente subtil, feito as suas críticas simbólicas).
Por isso, ver esta equipa entrar em campo, neste contexto estrangulador, foi como vê-los a desafiar a história.
O jogo que fizeram tornou épico o momento. Uma exibição empolgante emocionalmente e completa taticamente. Duas formas de jogar e ganhar o mesmo jogo, disputado em planos diferentes, primeiro na cabeça desses jogadores e depois na relva, com a bola.
2 - O 4x3x3 de Queiroz, bem organizado atrás da linha da bola, resgatando o sistema em que o onze se sente melhor (após o fracasso dos três centrais contra a Inglaterra) com Ezatholi a mandar como nº6 de equilíbrio e corte, soltando depois o ataque com Azmoun junto às pausas e arranques de Taremi, confundia-se com as imagens das bancadas, dos adeptos que choravam ouvindo o hino, o agarrar da bandeira e as faces das mulheres bonitas iranianas de cabelos soltos. Tudo isto fazia parte da mesma história, do mesmo jogo.
Não há local mais ideal para escrever futebolisticamente história do que o Mundial. O remate de Cheshmi (após as bolas nos postes) que abriu a vitória do Irão, levantou enlouquecido todo o banco onde se sentiu a comunhão de emoções que Queiroz conseguiu com todo este grupo acossado pelas consciências do mundo. A possibilidade de atingir os oitavos-de-final é outro sonho mas no fim daqueles 100 minutos de coração e tática, o Irão sentia que já tinha ganho o seu Mundial.
3 - O futebol que Taremi joga é quase como um "on" e "off" no jogo, tal a forma como, quando pega na bola, arranca, ameaça criar perigo e, depois, de repente, trava, abranda, simula e volta a arrancar para o passe ou finta, sempre com a bola obedecendo-lhe a esse ligar/desligar de ação perante o jogo.
Queiroz coloca-o como um pivot... ofensivo. Recua para jogar como segundo avançado, cai na esquerda como falso ala ou adianta-se para nº9 como principal perigo. Tudo com caixa de velocidades incorporada. Frente a uma seleção galesa de jogo mais direito, cruzamentos e segundas bolas, esse estilo foi a ironia perfeita de como fintar o destino e a história. O futebol iraniano como parábola da liberdade.
O controlo vazio do destino
A qualidade de Bale tem uma história, A sua decisão de como caminhar dentro da seleção galesa é algo taticamente surreal. É como jogar com um elemento em campo à margem do coletivo, porque durante todo o tempo espera apenas que a bola venha ter com ele. E a bola, esse ser caprichoso, nunca quis ir ter com ele. Desta forma, a equipa galesa foi sujeita a uma pressão sem grandes elaborações táticas mas eficazes no controlo do jogo plano da abordagem mental do jogo. Em síntese, Gales teve de jogar com apenas dez jogadores durante todo o tempo de jogo.
A visão tática dos EUA pode superar a visão estratégica do Irão
No mesmo grupo a lutar pelo apuramento, os EUA souberam defrontar a Inglaterra. É, talvez, uma equipa emocionalmente menos estimulada mas taticamente mais capaz de ver o jogo de forma calculista. Penso num confronto entre estes diferentes contornos. É difícil imaginar. Esta equipa americana sabe jogar o jogo de forma mais expectante. Posicionou-se sem abanar frente uma seleção inglesa mais forte nas individualidades mas incapaz de desmontar o jogo.
Imaginar um jogo decisivo entre EUA e Irão pode parecer um "choque de mundos" mas no plano do futebol é assistir a um onze de organização defensiva emocional (Irão) contra outra com qualidades, talvez, superiores, mas sem saber bem como as utilizar (EUA) .