PASSE DE LETRA - Um artigo de opinião de Miguel Pedro.
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Esta última semana foi agitada. Não falo do ministro que se enganou, pediu desculpa e foi perdoado. Refiro-me, sim, ao facto de Ricardo Horta ter sido capa de jornais, motivo de conversas e debates nos programas televisivos sobre o mercado e, até, de conversas de café.
As notícias parecem querer apressar uma transferência que tarda em consumar-se. Os títulos jornalísticos são algo confusos (" agora é de vez" ou "todas as fichas em Ricardo Horta") e parecem dar a ideia de que muita da imprensa anseia pela transferência do jogador. Os adeptos bracarenses ficam furiosos, pois encaram estas parangonas jornalísticas como formas de pressão sobre a SAD bracarense para vender o jogador ao Benfica.
Não vejo as coisas desta forma, até porque, conhecendo como conheço a administração da SAD bracarense, sei bem que isto de pouco vale, em termos negociais. Aliás, valem mais as palavras do novo treinador benfiquista, que se desdobrou em elogios a Horta e confessou querê-lo no plantel. Estas palavras deram mais força à posição negocial da SAD bracarense, pois quem mostra muito interesse em comprar faz subir o preço do bem a adquirir. Num programa televisivo de fim de tarde, o tema era Ricardo Horta. Um dos comentadores mostrava-se algo indignado com a posição intransigente da SAD bracarense. "Então, e o interesse do jogador?", argumentava ele. Outro comentador, mais sereno, explicava que Ricardo Horta não era um jogador qualquer do Braga: foi o capitão, tem uma especial empatia com os adeptos e é o histórico melhor marcador de sempre do clube. O outro não se ficou e disse, " e o interesse do futebol português? Não é melhor para o nosso campeonato que o jogador seja transferido para o Benfica e não para qualquer clube estrangeiro?". Os comentadores acabaram por concordar com este argumento. Ora, é este o fundamento das notícias sobre Ricardo Horta: enfatizar a grande narrativa de que o interesse do futebol português é a soma dos interesses dos três clubes ditos grandes. É uma ideia que, tal como o arquétipo junguiano, está subjacente, de forma inconsciente, na mente coletiva do nosso ecossistema futebolístico. E molda, de um modo geral, quase todo o discurso jornalístico.
É certo que esta ideia inconsciente tem uma epistemologia estatística: cerca de 80% dos adeptos de futebol serão pelos 3 clubes ditos grandes, e apenas 20% torcerão, de forma sincera e exclusiva, pelo clube da sua terra. Mas o verdadeiro interesse do futebol português será atenuar esta diferença, pois só assim o campeonato será mais competitivo.