PLANETA DO MUNDIAL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Não digam que a história do futebol não tinha avisado antes. Vejo as seleções que saem nos quartos do Mundial e quase encontro lições históricas. De futebol e de cultura. Senti-o lendo os ingleses no The Guardian, antes até do jogo (mais um) fatídico: "A Inglaterra pode ser uma orgulhosa nação desportiva, mas tem um orgulho coletivo construído sobre o pessimismo" (escrevia, em tradução livre, Will Unwin em Doha).
Talvez assim entenda como todos aqueles adeptos olhavam esbugalhados de medo antes de Kane bater o segundo penálti que, perto do fim, daria o empate. Talvez, também assim, entenda como aquele remate, chutado por quem bate tão bem, saiu disparado como um "ovni" por cima da barra, levando com a bola mais um sonho mundialista inglês.
O mais incrível, falando agora de futebol mesmo, é que há muito não via a Inglaterra jogar tão bem. E contra os altivos franceses, foi mesmo melhor na maior parte do jogo. Mostrou médios que sabem tudo do jogo, teve a bola, trocou-a a bem, mas, no fim, perdeu.
2 - Recordei, então, a tese do orgulho. Até porque, antes do jogo, ouvia os ingleses a falar e quando se citava a ameaça Mbappé, eles falavam que havia a experiência de Walker para o travar. Ou seja, um lateral de 33 anos já fora da melhor fase da carreira e vindo de uma lesão grave no joelho ia tratar dum explosivo gaulês de 23 que corre à velocidade da luz.
Não foi, em rigor, por aí que perderam, mas nesta forma de ser parece estar todo o destino que derrotou a Inglaterra, onde não existia uma defesa com o mesmo nível do meio-campo e ataque (como se viu quando Maguire não conseguiu atacar primeiro aquela bola letal ao primeiro poste que Giroud tornou na bala decisiva).
Foi, após a geração-Gascoigne de 90, a eliminação inglesa mais dolorosa para quem gosta de quem joga melhor. Havia, porém, mais qualquer coisa que deixa outra vez isolada a "memória 66".
3 - A queda do Brasil é mais "remake" de bossa nova. Enquanto Tite procurava uma forma tática de arrumar tantos avançados no mesmo onze, meia equipa pintava o cabelo de amarelo. É tão pitoresco como sintomático. Porque aquele golo sofrido a acabar (quando a vitória dada pelo craque Neymar parecia decidida) resultou da total falta de noção de concentração e posicionamento defensivo da equipa ao permitir um irónico contra-ataque croata.
No meio-campo, em função da tal vontade de meter tantos avançados, só ficara um médio. O resistente Casemiro que, simples ser humano, não pode chegar a todo lado. Ao abdicar como princípio de equilíbrio tático indispensável do segundo volante, o Brasil colocou a sua arte na berma do precipício. Ou ganhava no seu contorcionismo admirável ou perdia na sua irresponsabilidade de exposição ao risco. Foi a segunda.
Brasil sem visão defensiva
Paquetá é um jogador de quem gosto muito mas nas suas muitas qualidades (técnicas e de movimentação) não está o dom da ubiquidade. Começar colocando-o como segundo volante (entenda-se a nº8) e depois pedir-lhe para sair para o jogo, isto é, ir embora dessa zona no momento ofensivo, é como tirar da equipa a segurança de coberturas indispensáveis pós-perda da bola.
O Brasil tinha, naqueles minutos finais em que levou com o empate, sete jogadores metidos em processo atacante (e a defesa desequilibrada) mas esta realidade já começara no início: Danilo, um lateral a jogar por dentro, no espaço do médio centro/pivô no início de construção brasileira.
Tite já anunciara esta ideia para os laterais (que não seriam em 60 metros atrás e à frente) mas sim que fossem muitas vezes um articulador-organizador só que, assim, sem médios a cobrir, criou logo dúvidas sobre quem iria compensar defensivamente na transição defensiva (que tem de ser sempre rápida) a fechar na faixa.
A Croácia percebeu isso e, em expectativa, tentou lançar o ataque em profundidade na largura. Quem tinha de compensar era o central, Marquinhos, que descaía nesse momento. Era utópico, porém, querer travar sempre assim o contra-ataque croata ameaçador de golo. Lapidar e básico.