PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Parecem nos pés deles meras tarefas do quotidiano, mas, vendo bem como jogam, percebemos a missão de excecionalidade que têm.
Eles jogam no meio das suas equipas e por dentro das dos adversários. Ainda bem que, para afastar o debate da importância do físico ou da técnica, sobretudo na questão dos médios-centro que jogam de área a área, são dois jogadores de polos atléticos opostos: o "baixinho" João Neves e o "viking" Hjulmand.
Mais parecidos ou mais semelhantes na importância do que fazem em cada uma das suas equipas e setor (corredor central) do meio-campo.
Os sistemas são muito diferentes, mas o mesmo meio-campo "a dois" aproxima-os nas missões de controlo/saída que têm em campo. Ambos têm a seu lado jogadores mais de gestão dos tempos de jogo (Kokçu e Morita), mas para Hjulmand esta liberdade para sair da sua posição é como o abrir-se, para ele, dum mundo novo tático.
Numa equipa pequena italiana como o Lecce, ele era sobretudo um soldado de marcação/recuperação. Natural, em função do tanto tempo (a maioria do jogo) que passava atrás a defender. Agora, numa equipa grande, com posse de bola, quase sempre a atacar, ele pode jogar mais perto da baliza adversária e até rematar. Além do jogo (e do golo) pressentiu-se essa sua alegria pela descoberta que existiam mais coisas num jogo de futebol do que correr atrás do adversário. Este, vejam lá, também deve correr atrás de nós. Ao contrário do que pode ser mais fácil dizer, em face do seu passado e como vinha rotulado, onde Hujlmund tem de melhorar mais é a... defender. Como? Entre outros aspetos, num simples: antecipar os adversários e não esperar por eles para os travar. Como Amorim dizia que fazia Ugarte, "ir buscá-los, estejam onde estiverem".
2 João Neves é outro perfume. Faz tudo bem quando levanta a cabeça e sai com a bola, contente e concentrado. Tanto finta em progressão, como faz o passe progressivo. Em ambos os casos, faz a bola progredir, e ele, em função das opções que toma, é que decide, com responsabilidade tática, onde deve ficar (se mais por trás, em proteção/circulação, ou adiantando-se mais, em condução/rutura). A bola, essa, é que, no fim da opção, vai parar aos mesmos sítios. Se é com ele ou sozinha, é outra coisa.
Kokçu é, perto dele, o médio que mais marca os diferentes tempos de jogo. Também fica mais perto do clássico 6 que inicia a construção que do n.º8 de saída/chegada que se imaginava.
No fundo, um ponto comum: os jogadores mais importantes a ler o jogo tardam um pouco mais a sair da sua posição de origem, mas são os que mais rapidamente tiram o jogo dum local e metem-no noutro mais indicado (e perigoso).
Farense: o regresso da "Motatização"
Mais do que o resultado, o mais impressionante foi a exibição que o Farense fez em cima do Braga. É o regresso da "Motatização", isto é, dum estado competitivo de raça em cada bola, expresso num sistema tático simples (4x3x3 com jogos de triângulos) e que faz os jogadores perceberem o que têm de fazer sem complexidades excessivas. Assim, José Mota vem montando o seu Farense pelas rotinas do trio do meio-campo, com Falcão a meter físico com poder de bola dividida (e muito útil a recuar para meter-se entre centrais e tirar) atrás duma dupla de interiores onde Matheus faz jogar com bola e Isidoro é um "motorzinho" que aparece em todo o lado (rouba-transporta-morde).
Onde vi a maior diferença ofensiva neste jogo foi, porém, em jogar com Rui Costa (na foto) em largura, em vez de a n.º9, onde surgiu um ponta-de-lança mais de referência, Bruno Duarte. Tirou um ala de associação, Marco Matias, e entrou um "avançado de faixa" letal e rápido no ataque à profundidade (com golo). O ideal para ativar o contra-ataque planeado. Este fator surpreendeu o Braga. No outro flanco, a temporização com passe-arranque curto de Belloumi, que pensa muito bem tudo o que faz antes de executar. Nesta combinação de fatores, a equipa cresce de identidade e encaixa os jogadores perto da perfeição.