PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Mais do que entender, é sentir os diferentes momentos pelos quais um jogo passa. Funciona para equipas, funciona para jogadores. O Braga que venceu o Mónaco foi, antes de uma equipa tática, uma equipa extrassensorial.
Claro que existem as defesas de Matheus, o VAR no limite do fora-de-jogo, mas, em cima disso, existiu o sentir como aquela segunda parte tinha de ser um exercício de mentira bem contada em relação ao que a equipa queria do jogo. Ao recuar linhas, fazendo contenção à entrada dos últimos 30 metros, deu ao Mónaco a ilusão de domínio.
Quem conhece aquela equipa, tombada maioritariamente do berço para o mundo adulto, sabe, porém, que o receio não faz parte das suas sensações mais comuns. No fundo, sabe outra coisa mais importante no futebol: é preciso começar por ter respeito por quem se tem pela frente (sobretudo se, como no caso, for alguém crescido) para depois saber a altura certa para lhe... faltar ao respeito.
E assim foi. O golo de Vitinha a acabar, na única vez que criou perigo na segunda parte, era o supremo sentir do jogo. E não foi por acaso que foi ele que marcou.
2 Olho para Vitinha e não consigo ver um jogador saído há pouco da formação. Pelo que joga lutando, pela dimensão atlética destemida, perceção de entrar no tempo certo como se já fosse um habitante da área de muitos anos, mas, sobretudo, por como... olha. Ele tem o olhar de um adulto sem medo e não de um miúdo rebelde.
Senti o seu golo quando, pouco antes, o árbitro o chamou, mais um jogador do Mónaco (andavam pegados), para lhes dar um sermão. Enquanto o francês queria explicar, Vitinha só ouviu, com pedaços de relva colados no suor da cara, olhou-o distante com a mente noutro lugar e encolheu os ombros com o pensamento. Pouco depois, apanhou aquela bola mordida em luta com o central e cabeceou como um n.º 9 de muitas batalhas. Ter vocação emocional para o jogo é isto!
3 Amorim disse, quando Edwards chegou, que era um bom miúdo mas teria problemas para integrar-se logo porque era tímido no relacionamento humano no grupo. Aqui está outra vez: sensações antes do jogo.
A questão, porém, estende-se ao relvado porque essa personalidade está entranhada no seu jogar. Em vez de assumir a rebeldia com finta, parece o miúdo tímido que entra numa sala cheia de peças preciosas e tem medo de partir alguma coisa. Isto é, passando a metáfora para o futebol, receio de comprometer os movimentos afinados da equipa com uma iniciativa individual que parta a relação coletiva da qual ainda não se sente membro.
O jogo de Manchester (sem pressão numa galáxia distante) foi ideal para começar a sentir a nova realidade de jogo onde está e como isso o obriga a ser diferente na relação com ele. Já não basta brincar com os adversários numas jogadas. É preciso falar com a sua equipa no jogo todo.
Futebol fora da civilização
Os relatórios de observatórios que olham para o futebol como para uma rã num laboratório de biologia colocam sempre os jogos do nosso campeonato no fundo da existência futebolística, quase fora da civilização, futebolisticamente falando. São as faltas, as paragens, o reduzido tempo útil de jogo.
São registos frios. Não é possível, para esse observatório, entrar na cabeça, a mentalidade, do ser, sentir e agir dos seus interpretes. Árbitros condicionados (e assustados), jogadores espertos que sabem até onde podem ir (cavam faltas sem problema), treinadores que criticam o adversário por fazer o que eles próprios já fizeram noutros locais, o anti-jogo como modo de vida em campo, o tempo que se leva até marcar um canto, um livre ou um simples lançamento de linha lateral.
Mudar isto só mudando as consequências. Debater as causas é debater algo já enraizado que não muda porque todos sentem que, a determinado momento, podem tirar partido deste estado disfuncional das coisas. Em jogos internacionais as nossas equipas/jogadores sentem como é diferente e rapidamente adaptam-se competitivamente a isso. Por que voltam então ao mesmo cá? Porque os deixam. Porque a mentalidade também pode ser uma ditadura. E, neste caso, sem ninguém a combater na clandestinidade.