VISTO DO SOFÁ - Opinião de Álvaro Magalhães
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Sérgio Conceição fez, por estes dias, um comentário que nos dá a conhecer melhor a nova geração de jogadores. Segundo ele, têm muito talento, mas já não reconhecem valores estruturantes das gerações anteriores. Disse ele que «é difícil incutir-lhes a exigência do FC Porto».
Não lhes peçam, portanto, que encarnem o espírito dos clubes, digo eu, o que implica entrega e trabalho duro. Completamente centrados neles, só têm olhos - e coração - para a sua carreira, fortuna e imagem.
Os que já acederam ao topo são as estrelas pop desta era. E comportam-se como tal, com alguns exageros à mistura. Illaix Moriba, que foi vendido pelo Barcelona ao Leipzig por quase 20 milhões de euros, irritou o seu treinador - dizia o jornal «Bild» - por mandar os fisioterapeutas trazerem-lhe uvas durante as massagens.
Por sua vez, Pogba, conta Mourinho, depois de um jogo fora, não queria regressar no autocarro, mas no seu Rolls-Royce. Quando a equipa chegou ao autocarro, no fim do jogo, o Rolls, com o motorista ao volante, estava estacionado ao lado.
Sim, as histórias comoventes de redenção da miséria que o futebol nos contava deixaram de ser contos de fadas e passaram a ser contos grotescos, muitas vezes de horror. E como os clubes são, para eles, meros lugares de passagem (e cada jogo «mais um dia no escritório»), começa a esfriar mortalmente a sua ligação afectiva, e efectiva, aos adeptos.
Na 5º. jornada, Luisão repreendeu Lucas Veríssimo por sair do campo sem cumprimentar os adeptos. Rangnick também já fez o mesmo a Ronaldo, lembrando-lhe as regras do clube. E Neymar tem uma cláusula no contrato em que se compromete a ser afável para os adeptos, esse trabalho fastidioso e árduo, que tem de ser pago à parte.
Estas vedetas pop têm assessores para tudo, agente, fisioterapeuta, cabeleireiro, secretária, nutricionista, e por aí fora. Autênticos bichos mediáticos, são seguidos por milhões nas redes sociais, onde outro jogo decorre. Estão sempre sob observação, e adoram isso. Podem chamar-lhe Geração I (de Instagram e etc).
Na terça-feira, meia hora após o jogo com a Macedónia, já a maioria dos jogadores da selecção publicara posts e tweets sobre o jogo. Alguns devem tê-lo feito antes do banho.
Vá lá que, também segundo Sérgio Conceição, ainda se pode ver por aí um belo espécime de jogador do passado. Disse ele: «Tenho um animal competitivo, como o Pepe, e, depois, três ou quatro miúdos que ficam fragilizados porque o mister lhes deu uma dura.» E isto ilustra bem a mudança de paradigma que se operou, pois também o futebol é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Saem de cena os animais competitivos, como Pepe, forjados na raça e na entrega, que encarnam a mística dos clubes e entram em cena os tais miúdos talentosos, mas frágeis, sensíveis, quer dizer, fracotes, e, claro, indisponíveis para as tais «duras».
Viva, pois, o magnífico Pepe, animal em vias de extinção. Olhem bem para ele, pois não voltarão a ver outro assim; e como o futebol, nosso alimento precioso, não pode parar, viva também a Geração I, nem que seja por não haver outra.