Objetivo maior de Veríssimo só pode ser o de esquecer a matemática e dar tudo para segurar o terceiro lugar
A JOGAR FORA - Opinião de Jaime Cancella de Abreu
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"Não existe vento favorável para o marinheiro que não sabe a que porto se dirige." Lúcio Aneu Séneca
1 - Recorrendo aos intragáveis lugares-comuns tão próprios do nosso futebolês, Nelson Veríssimo, depois de assistir ao enésimo tropeção da equipa na época, explicou que "a perda de dois pontos é um duro revés, mas não vamos abdicar do objetivo".
Desconheço a que objetivo se referia o (ainda) treinador do Benfica: se ao mais do que utópico título, se ao cada vez mais irrealista segundo lugar. Todavia, tendo em conta a facilidade com que os nossos rivais ultrapassam os adversários frente aos quais sucessivamente baqueamos, o objetivo maior de Veríssimo só pode ser o de esquecer a matemática e dar tudo para segurar o terceiro lugar.
Acontece que se o discurso para o balneário for tão inócuo como o que lhe ouvimos antes e depois dos jogos, e as táticas e as substituições continuarem a resultar como até aqui, temo o pior.
2 - Sérgio Conceição e Rúben Amorim são bem a demonstração da importância que tem o acerto (a que se junta a sorte) na escolha de um treinador como tábua de salvação de um projeto inexistente. Mas é de lembrar que, até chegar a Conceição, o infalível Pinto da Costa falhou com Paulo Fonseca, Luís Castro, Julen Lopetegui, José Peseiro e Nuno Espírito Santo, e o errático Frederico Varandas sentou em menos de nada cinco treinadores no banco até arriscar no investimento de dez milhões que lhe valeu o prémio grande da lotaria.
Precisar de falhar tanto até acertar não é uma inevitabilidade - mas sê-la-á, por certo, se Rui Costa não tiver a arte e o engenho (e a sorte) de encontrar o homem certo para o projeto certo. (Não será altura de o presidente sossegar os benfiquistas explicando-lhes qual o projeto que tem para o futebol do clube?)
3 - Fevereiro de 1969. O Benfica chega a Amesterdão - a história foi-me contada por António Simões - e surpreende-se com a cidade coberta de neve. Não iam preparados para aquela eventualidade - como eram diferentes aqueles tempos... - e foi então que, munido de um papel com os números dos pés dos jogadores, um dirigente foi à procura de uma loja onde comprar botas adequadas a um piso como o que iam encontrar.
Com a classe que lhe era reconhecida e o espírito de sacrifício e a capacidade de adaptação própria dos sobreviventes, mais as botas novas com um único treino de adaptação aos pés, a equipa superou-se a ponto de vencer o fortíssimo Ajax por um concludente 3-1. Falta, hoje, tanto benfiquismo ao Benfica que me pergunto se não seria de valor colocar velhas glórias do clube a injetá-lo aos jogadores, à equipa técnica e à estrutura atuais.
4 - Um dia, atónitos, tomámos conhecimento de que o gabinete de Mário Centeno tinha sido alvo de buscas do Ministério Público pela razão de sua excelência ter solicitado convites para assistir com o filho a um clássico no camarote presidencial do estádio da Luz.
Os meus botões foram até poucos para com eles poder pensar sobre tamanho desaforo: então se os camarotes dos estádios estão, via de regra, abarrotados de ministros, deputados, presidentes de câmara, juízes, delegados disto e procuradores daquilo, por que raio haveria de ser diferente com o ministro das Finanças? Todos conhecemos o humilhante final que este episódio teve para o Ministério Público - já eu passei desde essa data a desvalorizar o que eles e a Polícia Judiciária fazem (em segredo de justiça) publicar sobre investigações a alegados ilícitos perpetrados pelo Benfica - e mais ainda se essas publicações aparecerem cirúrgica e convenientemente escarrapachadas na comunicação social a seguir a um daqueles acontecimentos que abalam o pequenino, mas muito velhaco, mundo do futebol indígena.