PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
Corpo do artigo
1 - Quase como separando misticamente dois mundos, a Champions entra na fase decisiva dos quartos e meia-final colocando de um lado a "caverna dos gigantes" e do outro a "casa dos pequenos monstros aspirantes". A guerra dos tronos do futebol europeu depara-se assim com uma realidade competitiva paralela e abre o mapa para a final a um "outsider" saído do mundo latino além-Madrid (as três renascidas forças italianas e o Benfica, todos em busca do seu revivalismo europeu).
2 - No lado dos gigantes, há exemplares de toda a espécie. Grandes equipas e um exterminador norueguês. Haaland tem uma potência de golo que começa por impressionar pela dimensão atlética mas termina por seduzir com a classe com que finaliza no remate. A força é apenas o princípio para a inteligência com que joga e busca os melhores espaços.
Dizem que o Manchester City tem de mudar para explorar essas suas características, que pedem mais busca rápida da profundidade (bola metida na sua frente) em vez da prolongada posse circular (bola trocada no pé), mas embora isso tenha um fundo estilístico de verdade, ele consegue que mais do que obrigar a equipa a mudar para o servir, ser ele a ir à procura dela, meter-se no meio do seu jogo, para que o vejam sempre no melhor sitio e, em vez do corpo estranho que só remata, ser um corpo finalizador que a prolonga além do estilo com a sua assinatura final.
É diferente e o próprio Guardiola ou até De Bruyne falavam disso após o jogo contra o Leipzig, em que Haaland saiu cedo demais porque queria marcar mais. A sua resposta sobre se já tinha marcado cinco golos num jogo desafia a realidade terrena: "Acho que já marquei nove, quatro, mais, mas cinco não me lembro, acho que não!" Monstruosamente surreal.
3 - Eles sempre foram a espécie em campo mais caprichosa, empolgante e irregular. Os extremos. Dirão que já não existem, mas há ainda alguém que tenha esse perfume mesmo que o jogo lhe tire a raiz do espaço de relva, a faixa, antes quase privada, desses seres que sempre foram os mais distraídos em campo. Aqueles de quem diziam adormeciam muitas vezes no jogo. Que apareciam e desapareciam.
É verdade, o extremo sempre foi o jogador-talento mais distraído em campo. A bola andava noutro lado e ele desligava para pensar noutra coisa. Na namorada, no novo caro, na casa, noutra namorada. Normal, afinal. Até que nesta expressão híbrida do extremo que joga por dentro e "pé trocado" (descrito assim parece mesmo um "ET" em campo) surgiu um ser que não perde o foco no jogo por um instante que seja: Vinícius.
Ele vai a todas as bolas, as mais perigosas ou as perdidas (ou que parecem perdidas, como aquela em Liverpool que acabou por lhe fazer de parede quando Alisson ia bater na frente e, com o foco-Vinícius que nunca desiste, acabou na baliza). É rápido num "flash", finta e automática mudança de velocidade que come metros e remate com precisão notável. Dinamitou Liverpool. Não vejo, no futebol mundial, melhor avançado saído da casta perdida dos extremos.
4 - Munique será o mais parecido com o castelo onde mora o mais temível exército. Tiraram-lhe Lewandowski e, usando os ancestrais poderes bávaros, parecem que transformaram Choupo-Moting num dos mais ameaçadores pontas-de-lança do mundo. Não será assim na realidade, mas é como o sinto vendo o Bayern a atacar com uma ameaça que tanto assusta como promete. É uma equipa que tem uma grandeza já tão enraizada que se cola a qualquer jogador que se meta dentro do seu onze.
Muller voltou a ter lugar neste universo porque tem liberdade para procurar onde sabe, a cada jogada, poder criar mais perigo em função de cada jogada que a equipa faz.
Nagelsmann percebeu que após o seu início como "treinador jovem prodígio", também tinha de evoluir a ler o jogo e saber mexer nele no seu decorrer. Este Bayern é, por isso, o mais tático do pós-Guardiola que agora vai reencontrar. Para início desse confronto, um baixinho que ele criou, desde lateral, como médio centro, Kimmich. Uma ironia de bolinha no pé e horizontes largos de profundidade de jogo.