PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Ao contratar Xavi, o Barcelona, mais do que contratar um treinador, está a imaginar que contrata um alquimista que vindo do passado (com a imagem, aura e saber desses velhos mágicos tempos) consiga recriar no presente esse desejado ideal de futebol.
Xavi personifica uma ideia de jogo e sabe como transmiti-la pela forma como comunica. Quando era jogador, também já era... treinador. Estava no jogo olhando e orientando a sua equipa através das boas mensagens que levavam a sua qualidade de passe. Dentro do ideal de jogo criado por Guardiola, ele foi em campo, o mensageiro perfeito desse estilo de jogo. Mais do que Messi. O desafio agora é como pode o "Xavi-treinador" colocar o Barcelona da mesma forma mas sem o "Xavi-jogador"?
2 - Esta aposta segue outras que o futebol atual tem gerado em busca de transplantar do relvado para os bancos o mesmo poder de impacto que estes exemplares criaram como jogadores. Xavi é o desafio máximo, mas antes dele, Zidane inaugurou, no banco do Real Madrid, esse desafio de transporte do génio relvado-banco, jogador-treinador.
Não trazia consigo, porém, uma ideia de jogo em concreto. Olhava-se para ele, vindo do tempo enquanto jogador da aposta do Real na política dos "Zidanes e Pavones" (o segundo nome definia a aposta na cantera com a utilização de Pavón, então central promissor saído da formação) como um gestor de egos com poder de liderança tranquila dentro dum balneário de cobras.
Conseguiu-o com uma mestria comunicacional perfeita. O seu sorriso de "Gioconda futebolística", que o fazia parecer um jogador tão fantástico como triste, foi transportado para uma aura de serenidade a responder (sem responder) às questões mais difíceis. Bastava um olhar inexpressivo, um sorriso indecifrável e "Bem, sobre esse assunto não me interessa falar. Próxima pergunta, por favor".
Com Zidane inaugurou-se esta geração do novo milénio de protagonistas que fizeram carreira como jogadores e se meteram na aventura de treinadores em grandes clubes, tudo já dentro do séc. XXI.
3 - Se, em Espanha, podemos identificar esse transporte de poder em "Zizou" e em Xavi, em Inglaterra essa ideia emerge agora com Gerrard que, esta semana, tornou-se o novo treinador do Aston Villa (saindo do Rangers, onde começara a carreira nos bancos).
O desejo de chegar a Liverpool (onde ex-jogadores, como Dalglish, sempre foram idolatrados para seguir o "segredo do bootroom" - o segredo do balneário - como dizia Shankly, técnico entre anos 60 e 70) terá de esperar o fim do reinado de Klopp, mas todos imaginam esse destino para ele. Embora o seu Rangers já jogasse num 4x3x3 muito da marca-Klopp em termos de estilo, será essa aura (mais até mais do que aquilo que acontecer no Villa) a determinar esse caminho.
O mesmo sucedeu com a aposta de Lampard para treinar o Chelsea, num processo mais arriscado porque saltou etapas de crescimento como treinador que, no momento em que pegou no clube, se sentiu quando (apesar de lançar muitos jogadores, como Mount, num tempo de crise financeira) os resultados falharam.
4 - Quando há poucas semanas o Crystal Palace foi jogar contra o Arsenal também percorreu o estádio esse mesmo sentimento no momento em que o treinador do adversário foi ovacionado com estrondo (mais do que alguma vez Arteta foi).
O homem idolatrado era Patrick Vieira, símbolo como jogador da equipa dos invencíveis (em 2003), médio que mandava no jogo, na equipa e impunha respeito aos adversários (até a Roy Keane). Era essa imagem que os adeptos tinham na mente quando tanto o aplaudiam e gritavam o seu nome, sonhando com ver esse sentimento (mais do que propriamente o... treinador) no seu banco.
É a mesma aura que segura Solskjaer como treinador do Manchester United apesar das fortes críticas que recebe. Ele foi o herói da Champions de 99, o "baby-face goleador" dum onze do qual não saiu mais nenhuma figura hoje treinador (de Beckham a Scholes). Por que será?.
Por que a gestão Ferguson não gerou grandes treinadores?
Alex Ferguson esteve 27 anos a treinar o United, por ele passaram legiões de jogadores de todos os tipos, mas nenhum deu um "treinador de top" agora que chegaram, muitos deles, à idade da maturidade certa para o serem.
Existirão várias teses para explicar este facto, mas talvez a do seu poder de liderança ser tão forte para criar jogadores de grande caráter em campo, também tivesse, ao mesmo tempo, com o respeito que tinham por ele como "Boss", coartado o seu crescimento como líderes para além do que eram entre eles como jogadores. Ou seja, acho que é algo que ultrapassa a mera questão de conhecimento do jogo ou até de vocação/desejo de qualquer um deles ser treinador.
Por isso, achei curioso ver Gerrard referir que desde que decidiu ser treinador, a pessoa com quem sempre mais falou, e ainda hoje continua a telefonar pedindo conselhos e aprendendo como estar no cargo, é com... Ferguson. Faz-me pensar que Gerrard
é o "filho-treinador" que Ferguson nunca teve no seu casamento de mais de duas décadas com jogadores do United.
Old Trafford tornou-se um castelo de futebol com um fantasma demasiado grande para qualquer treinador (Mourinho, Moyes e Van Gaal, sentiram isso) que pegou no clube no pós-Ferguson. Talvez só agora, mais de uma década depois, seja possível iniciar verdadeiramente uma nova era.