PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 O gesto é espetacular, complexo e tecnicamente mirabolante (chamam-lhe remate de letra) mas, por estranho que pareça, era a forma de simplificar a execução naquele tão curto espaço de terreno onde um canhoto para rematar tinha de usar o seu pé esquerdo (o direito, o mais natural de usar para quem visse o jogo fora deste paradoxal mundo da biomecânica, não tinha hipótese daquela precisão porque... não era o seu).
E assim saiu a "letra" de Nuno Santos para um golo de efeitos especiais. O complexo mais natural.
Por isso, no fim, questionado para explicar o golo, encolhia os ombros perante a admiração, "é normal, já faço isso muito nos treinos". O único difícil aqui no jogo é aparecer a oportunidade para o fazer. Para centros, existem muitas. Para rematar, sãos raras. Difícil ali era ele ter de rematar com o direito. Com a canhota, tirou de letra. O futebol é mágico.
Num plano mais racional de análise ao jogo que Nuno Santos fez, viu-se algo taticamente mais importante. Ele atacou como sempre mas ficou na frente mais tempo do que é habitual (tendo em conta que é um sistema de três centrais com laterais a atacar mas que recuam para defender com "linha de 5"). A diferença nasceu da forma como Amorim está a trabalhar mudanças em princípios de jogo que muitos pareciam dogmas para si. Não são (ou ele percebeu que não podiam ser).
2 Primeiro sinal relevante: o Sporting está a defender a "4". É ainda, nota-se, um período de aprendizagem para muitos dos jogadores atrás já enraizados noutra dinâmica de cobertura defensiva, mas, à largura, esta tende agora a ser feita pelo central à esquerda que fecha como o lateral desse lado (deixando Nuno Santos, lateral no papel, manter-se avançado sem recuar). Para isso, beneficia da rotina de Matheus Reis em saber fazer as duas posições (central e lateral-esquerdo). É ele que faz a "defesa a 4" em largura nessa faixa.
A equipa está a aprender a defender assim e contra o Boavista isso funcionou. É, essencialmente, nova dinâmica para jogos de ataque mais continuado. Para os ditos jogos grandes (como em Londres) o princípio da "linha de 5" irá, acredito, naturalmente, voltar, mas neste primeiro sinal de transformação (mais significativo do que parece) Amorim dá passos decisivos para a variabilidade que neste ciclo o seu sistema necessita para evitar a sua cristalização e, ao mesmo tempo, evoluir sem perder bases que o fundaram.
O centro poderá ser o próximo passo de afinação tático-laboratorial, mas como uma equipa nasce a partir da forma como defende para atacar melhor, esta mudança de defender a "5" para passar a defender a "4" pode mudar, com efeito-dominó, todos restantes setores.
Está a nascer um novo David Neres
Vê-se bem que aquele não é o seu território, mas o talento encontra sempre uma saída. Penso assim vendo David Neres metido no centro atrás do nº9 clássico, em vez da faixa de onde gosta mais de pegar e arrancar com a bola.
É uma questão que cruza espaços (mais curtos, no meio, com pressão em cima, mais largos, na faixa, sem pressão tão apertada) com cultura de movimentos.
Não a relaciono diretamente com características típicas jogador (como se dizia, erradamente, de Rafa ser só jogador para espaços e que sem eles nunca seria o mesmo), mas sim mais de vícios de movimentação criados (naturalmente os mais fáceis para o jogador fazer, mas que se repetem e só a sua técnica individual pode mudar de expressão no um-para-um).
Uma coisa tenho como clara: quando vai para o meio, um jogador melhora (é obrigado a isso) a sua visão sobre o jogo (porque crescem-lhe as exigências a nível de diferentes momentos de jogo e problemas para resolver).
Neres está nesse ponto neste Benfica. Aprender a recuar para sair da pressão e quando metido nela jogar a um/dois toques em vez de segurar. Para explosões, precisa que o jogo se parta ou de contra-ataques. Em vez de ser ele a provocar, passa a ser ele a ter de responder às provocações que o jogo lhe faz.