PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Antes de mudar nomes ou sistemas, estes dois jogos para o Mundial, mudaram, sobretudo, a essência dum conceito de jogo e a relação entre músculo ou técnica. A tática, essa, estaria sempre lá por obrigação do jogo.
Aquelas duas posições à frente da defesa são a porta que, a partir do meio-campo, abrem uma nova ideia de jogo para a seleção portuguesa. Demorou, hesitante, Fernando Santos a meter-se nesse novo ideal de estilo.
Em vez de Danilo (recuado para central) ou William, antes a equação física "n.º 6+n.º 8" do seu manual tático, surgiu outra fórmula, que, se encolhia os jogadores, fazia, na mesma proporção, crescer o jogo da equipa.
A fórmula Moutinho a pivô-construtivo n.º 6 com um n.º 8 saído dum atelier criativo-ofensivo, Bernardo Silva, para pegar, no centro, na bola e no jogo desde trás, conectando uns passos (e passes) à frente com outro interior que, após vaguear perdido por outros lugares, encontrou, por fim, sentido para a vida na Seleção quase na "casa do 10". E fez assim dois golos. A aparecer.
A nossa relação com a bola mudou imediatamente. Podemos, claro, sentir leveza atlética quando temos de defender mais no contacto mas se chegarmos lá primeiro (entenda-se ao espaço de corte, recuperação e posse) esse receio deixa de ser problema. Vale a pena viver, jogar e respirar assim. O nosso futebol (nova vida tática e estilo) merece isso.
2 - O título Europeu de 2016 tem uma Taça que o imortaliza. Esta ideia de jogo tem um efeito de catarse estilística. É como se reencontrássemos um velho amigo que não víamos há muito tempo: a nossa técnica (com jogadores "roda-baixa" a andar às voltas com a bola) como filosofia de jogo.
Ter a bola (posse) e saber o que fazer com ela em termos de plano de jogo e não para mero volume estatístico de ataques e remates (o triunfo numérico-moral da última eliminação no Euro com a Bélgica) sem a lógica de como a ter, circular e criar oportunidades de golo.
Sinto, por isso, estas duas exibições como um título. Porque mesmo quando ganhámos em 2016 disse, nesse percurso, que, "ok, estamos a ganhar, mas gostava de sentir outra coisa". Era isto! E podemos melhorar (muito)!
3 - Engordámos o valor da Macedónia nos últimos dias. A queda da Itália foi arrepiante, mas a diferença da nossa Seleção (este nosso futebol redescoberto) para os macedónios, é abismal. Encarar o jogo como se não fosse assim foi, no entanto, o melhor princípio para ganhar sem ceder às tentações de diabos táticos menores.
Vamos ao Mundial, outra vez. Mais do que esperar ganhar ou perder, quero voltar a sentir o jogo e estilo do nosso futebol. Comunhão de emoções que aprendi desde o tempo (tanto tempo) em que nunca lá íamos e sabíamos que jogávamos bem. Agora, o mundo é maior e nós também.
Sub-21: o losango entranha-se
Com quatro médios deste nível (Tiago Dantas, Paulo Bernardo, Fábio Vieira e Fábio Carvalho, tendo entretanto saído Vitinha), imaginem o potencial que existe para jogar em losango, num 4x4x2 de abrir e fechar, conforme o que os momentos pedem. O problema está, sendo o sistema tão exigente, em não existir tempo para o treinar. Por isso, a eficácia dos seus sedutores princípios nem sempre sai.
Rui Jorge mantém, porém, essa opção como preferencial para a seleção sub-21. Estes dois jogos mostraram essas duas faces. Contra a Islândia fechada atrás, faltou-nos espaço e, sobretudo, largura para abrir a atacar (facto agravado por na esquerda termos dois destros, Fábio Carvalho e Tomás Tavares, lateral adaptado devido à lesão de Nuno Tavares). Por isso, acabámos em 4x3x3 (com Chico Conceição e Gonçalo Borges a extremos, tirando um n.º 9).
Contra a Grécia (que jogou com três centrais) descobrimos esses espaços jogando na mesma em posse mas beneficiando da deficiente reação grega à perda da bola. Dessa forma, abrimos o jogo e Fábio Carvalho mostrou o que pode ser em diagonais de golo. Na base do losango (e da sua ideia) estava, porém, um baixinho franzino que, com a bola nos pés, cresce desde trás: Tiago Dantas, gigante de 1,69m do futebol construtivo de frente para o jogo.
MODELOS
Moutinho: respiração
No paleolítico tático, existia o n.º 6 trinco físico para fechar. Abrimos a porta dum novo mundo tático e surge um n.º 6 com 1,70m. Se esta posição tornou-se a mais importante no futebol moderno, tem de ter, em oposição ao passado, uma ideia construtiva. Um n.º 6 pivô de saída de bola, visão ampla de jogo, sentido posicional, interceção, passe e farol. Moutinho, 35 anos, personificou este ideal toda a carreira. Quase sempre a 8 mas foi na "casa tática 6" que arrumou o jogo da Seleção.
Tática: mental Bale
Gales bateu a Áustria e continua a sonhar com o Mundial. Desaparecido no Real, é impressionante a vida que Bale ganha na seleção jogando como avançado solto num 3x5x2, ao lado de Daniel James (ala de origem), fazendo uma dupla de ataque imprevisível. Nenhum deles se move ou fixa como um n.º 9, nunca dando referências de marcação. Atrás, um triângulo de médios que combina a técnica de saída do pivô Joe Allen com a rotatividade recuperação-condução de Ramsey e Wilson. Com laterais (Roberts-Williams) a subir em desequilíbrios, a defesa é garantida por três centrais fortes e ágeis (Ampadu-Rodon-Davies) que tanto marcam em cima como dobram em largura. Um onze muito bem orientado por Rob Page.
Olivera: lateral esquerdo
Um lateral-esquerdo uruguaio cada vez mais maduro, seguro a defender, com sentido posicional de cobertura, e objetivo a subir para atacar, com critério a apoiar ou buscar desequilíbrios. Aos 24 anos, Mathías Olivera, está na quinta época em Espanha, no Getafe (vindo do Nacional). Atingiu agora a titularidade na seleção do Uruguai (numa defesa a 4). Concentrado taticamente e resistente fisicamente (1,85m), é um lateral completo para clubes maiores.