PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Mais de uma década para voltar a ver um "Milan europeu" a chegar aos quartos de final da Champions. Teria, claro, de recuar mais para épocas de títulos (com Pipo Inzaghi e Shevchenko) de um clube que nos anos 80/90 ganhou ressonância histórica tática revolucionária com a filosofia da "zona pressionante" de Sacchi e onze dos holandeses chefiado pela batuta-Baresi.
Pioli, o treinador do renascimento, vive no banco sentindo influências de diferentes tempos. Tem a velha escola italiana presente, mas incorpora um modelo de jogo da chamada moderna intensidade, a defender com agressividade tática e velocidade das transições defesa-ataque num sistema de três centrais (que pode defender com "linha de 5") ou sair rápido para um 3x4x2x1 em posse de contra-ataque. O jogo de Londres, contra outro treinador italiano multicultural, Conte, a apostar no mesmo sistema, tornou-se ainda mais alicante taticamente. Um duelo Pioli-Conte que se transformou num "confronto de espelhos táticos italianos".
2 - Este Milan tem velocidade de contra-ataque e MBA defensivo. Do onze, um "cinco-base": Tomori, Theo Hernandez, Tonali, Rafael Leão e Giroud (com um guarda-redes seguro para grandes momentos, Maignan). Neste núcleo, um jogador em particular resulta de um trabalho de valorização de Pioli em especificidade: Tomori, central pela esquerda, que perdera crédito no futebol inglês, onde após inicio de carreira de promessas, quer Chelsea e seleção, deixara cair (até ao Derby County e Hull). Foi Pioli que o reinventou e hoje, na maturidade que os 25 anos dão, joga com serenidade e acerto de marcação posicional (como se viu a travar Kulusewski). Com Kalulu, 22 anos, mais confiante e Malik Thiaw, a personalidade inata dum "kinder-gigante" alemão (21 anos e 1,91 m.) esta linha de três centrais do Milan é obra de autor do treinador.
3 - Para encarar o duelo contra o exército de Conte, tendo a profundidade das faixas já garantida à esquerda por Theo Hernandez (que ao chegar à área tanto flete para dentro ou vai à linha e cruza), a aposta, ao mesmo tempo, em Júnior Messias (extremo de origem, já nos 31 anos, uma aposta vinda das profundezas do Crotone, sem nunca ter jogado em equipa grande) a fazer toda a ala esquerda no sistema a "3", mostrou como é no crescimento dos fundamentos e visão de jogo desde diferentes posições (sem perder a raiz das suas características que o fazem mais forte) que um jogador pode assumir-se diferenciador. Quando ele teve de sair, entrou outro ala de origem para fazer toda a faixa, Saelemaekers.
No meio, surgiu um relógio de recuperação-saída (atenuando a quebra de Bennacer, "criativo-soft" desde trás) com presença mais saída de equilíbrio defensivo: Krunic, um médio bósnio que entende as três linhas do meio-campo mas que sabe estar na primeira, a do trinco-pivô, à melhor velha tradição italiana.
4 - Dentro de um modelo destes (e respetivas nuances estratégicas inerentes a cada jogo) Rafael Leão, um jogador de explosões que vive, essencialmente, da sua mudança de velocidade para ultrapassar defesas em progressão, arrancando preferencialmente desde a faixa, encontra o habitat ideal para esse seu futebol.
Não se pense, porém, que tal implica este Milan buscar sempre o passe longo na profundidade, esticando jogo rapidamente. Pelo contrário, a equipa quer sair a jogar desde trás, associando dentro ou saindo por fora. É neste contexto que contempla ter um "10" no onze como é, na expressão do seu jogo, Brahim Diaz, dentro do "2x1" que joga atrás do nº9 de referência Giroud.
O futebol italiano continua com uma face competitiva profundamente dramática. Sente-se o ambiente tenso em torno das equipas. A proeza deste Milan tão cheio de tática em cada posição é conseguir viver bem com isso nestes grandes jogos. Deixou fugir, esta época, o topo do "Scudetto", mas voltou a encontrar os melhores trilhos para regressar à Europa.