FOLHA SECA - Opinião de Carlos Tê
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Sérgio Conceição causou impacto ao revelar que foi insultado quando dispensou Bruno Costa. Talvez tenha sido um aviso à navegação, um mind game direcionado aos jovens do plantel - e aos adeptos que nutrem a fantasia de competir ao mais alto nível com base na formação - incluindo uma boia de esperança no subtexto: sair não significa ficar longe da vista, mas é preciso merecer voltar.
Conceição conquistou autonomia e isso traduz-se em mais critério no governo do plantel e na reavaliação da prata da casa. É difícil estar na pele de quem tem que dispensar, emprestar, contratar com rigor, casar interesses da SAD com os da equipa, que às vezes parecem não ser coincidentes, como sugerem as palavras recentes de Fábio Silva.
Ao resgatar um Bruno Costa mais maturado pela época no Paços de Ferreira, Conceição aproveita para repetir o seu alerta favorito: não chega ter talento para jogar no FCP. Nas parcas oportunidades que teve, Bruno Costa não foi bafejado pela taluda dum jogo memorável, daí descer para voltar a subir. O tempo é somítico para os jovens nas equipas de topo, exceptuando apostas de longo prazo como Corona e Octávio, que tiveram todo o tempo mas não renderam as esperadas mais-valias. Corona manteve-se fiel à inconstância, e a Octávio, apesar de puxado a um nível alto por Conceição, falta-lhe o sal que faz disparar a sineta do mercado num jogador da sua posição: dez golos por época.
O jogador português tornou-se um híbrido de técnica sul-americana e pêndulo europeu. Da última vez que o FCP jogou em Liverpool, Pepijn Lijnders, que passou sete anos no Dragão antes de coadjuvar Klopp, disse que esperava ver na mesma equipa Diogo Dalot, Rúben Neves, João Félix, mas nenhum deles estava lá.
Félix trocara o Porto pelo Benfica, os outros tinham saído a preço de saldo. Dizem que santos da casa não fazem milagres - a não ser quando o filão sul-americano está muito vasculhado e não há capital para luxos - mas é grande a expectativa à volta de Fábio Vieira, João Mário, Vitinha, Francisco Conceição, ainda que aprendem a dizer "net" logo nos sub 20, como ironizou o presidente Pinto da Costa.
Mas isso diz toda a gente, agentes, treinadores, especialistas em off shores. Pôr a entidade patronal a pagar os nossos impostos é o sonho dissociativo de qualquer português, mas poucos podem exigi-lo por contrato. O problema é justificar o privilégio em campo.
A ser verdade que Conceição foi insultado, só demonstra que há adeptos que seguem tão fervorosamente a vida do clube que têm a ilusão de saber sempre o que é melhor. Por outro lado, ver os miúdos subir à equipa principal é das maiores alegrias que um adepto pode ter: reforça os vínculos entre os bairros da cidade e o clube, sobretudo num tempo que os investidores de referência começam a bater à porta como vendedores de elixires e enciclopédias. Espero não ver o dia em que os clubes sintam saudade do adepto metediço. Nesse dia, o nome do estádio já foi arrendado ao patrocinador e até o insulto será um sinal de vida.