FOLHA SECA - Opinião de Carlos Tê
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Às vezes, as hostes portistas são atravessadas por uma corrente minoritária que defende que o tempo de Conceição devia ter acabado na última época: não lhe perdoam as goleadas infligidas em casa pelo Liverpool nem a crispação como imagem de marca.
Conceição tem os seus dias, como toda a gente, e os maus dias dum treinador dão mais nas vistas quando coincidem com as derrotas.
Mas a verdade é que, mesmo não sabendo como acabará a época (para já lidera o campeonato), os seus dias têm um saldo francamente positivo, apesar de certos jogos parecerem fugir-lhe pelos dedos, seja por não ter o banco que gostava de ter, seja porque a equipa se oscila e perde a lucidez em momentos cruciais, seja porque não tirou o tutano que se esperava de alguns jogadores. É que, além das perdas e dos ganhos, a outra avaliação a que um treinador está sujeito é pelos jogadores que dão o salto através do seu clique autoral.
A cadeira de sonho do FCP é hoje um presente que se desembrulha com cautela: este palmarés acarreta expectativas elevadas e o fulgor financeiro e organizativo é uma memória do passado. Esse tempo, de gestão ágil e contratações precisas, teve o último fôlego com Antero Henrique.
Seguiu-se uma engenharia errática que Conceição herdou, e contra a qual tem sido pontualmente a voz solitária e rebelde do profissional e do adepto. Com ele, o FCP resistiu a uma intervenção da UEFA e a episódios como a saga nunca resolvida dos defesas laterais desencontrados - que o levou a fazer adaptações mais ou menos felizes, como Corona e João Mário. Mas o FCP também tem sido um bom estágio para ele, uma oficina onde teve que aprender a lidar com o peso da História e com a côdea da realidade.
E a côdea é esta: quantos jogadores desta equipa jogariam no onze de Vilas Boas? O Porto vive do fulgor de Diaz - que atingirá o pico quando aprender a não correr à toa - e da veterania de Pepe, que antecipa um buraco no futuro da defesa.
Por isso a esmagadora maioria dos adeptos está grata a Conceição por manter os pergaminhos europeus - ressalvando o Liverpool. Não é para todos dar dois nós tácticos a um treinador como Stefano Pioli. O Milão de hoje pode não ser o de Van Basten e Maldini, mas é o vice-campeão italiano e um dos actuais líderes do Calcio. Mas este jogo também serviu para se perceber melhor o esforço de manter Grujic no plantel. O sérvio defendeu, empurrou a equipa, e foi mais ameaçador na área num jogo do que Octávio numa época inteira. Pena ter jogado por lesão de Uribe, o plano A.
O azar do plano A foi a sorte do plano B - e da equipa, que ganhou um dínamo multidisciplinar de largo espectro. E este é um dos mistérios de Conceição: às vezes dá a sensação de que os seus planos B são melhores do que os planos A. Foi um plano B que calou San Ciro e aumentou o seu já apreciável cartaz em Itália. Mas imaginemos que tinha havido o golpe de asa de gastar o pouco capital disponível na contratação de Morelos em vez de Pêpê: Milão podia ter sido bem mais do que uma vitória moral.