O pior do que se retira das contas portitas é o "buraco" da tesouraria
A JOGAR FORA - Um artigo de opinião de Jaime Cancella de Abreu.
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1 A minha formação de gestor impede-me de entrar nos tradicionais chorrilhos de asneiras que se dizem a propósito dos passivos dos clubes - como se fosse possível perorar sobre um passivo sem olhar para o lado esquerdo do mesmo mapa contabilístico, isto é, para o ativo.
Simplificando: a saúde económica de uma empresa não se mede pela dimensão do passivo, mas pela diferença entre o ativo (aquilo que a empresa possui ou lhe devem) e o passivo (aquilo que deve a terceiros).
No fecho do exercício 2020/21, esta semana conhecido, a SAD do FC Porto apresentou um passivo superior ao ativo em mais de 118 milhões de euros. Já consumiu a totalidade dos capitais próprios - está tecnicamente falida.
2 Romain Correia e João Mendes não eram (nem passaram a ser) conhecidos por marcarem golos ou resolverem jogos. Porém, o FC Porto comprou-os ao V. Guimarães por cerca de 15 milhões de euros - e, de imediato, o ativo da SAD aumentou no mesmo montante. Para quitar as contas, seguiram para Guimarães outros dois desconhecidos, Francisco Ribeiro e Rafael Pereira, cuja mais-valia das vendas contribuiu com 14 milhões de euros para o inédito lucro alcançado. Desafortunadamente, nem tudo nesta operação contabilística tem o sinal mais: em cada uma das três épocas de duração dos contratos de Romain Correia e João Mendes, as "amortizações" deste investimento abaterão cerca de cinco milhões de euros ao ativo e diminuirão outro tanto aos resultados.
3 Com o Sporting também teve lugar uma troca de jovens jogadores - mas esta jogada, porque feita para cá de 1 de julho, só aparecerá refletida nas contas de 2021/22. Ainda assim, não deixa de ser curioso ouvir de Frederico Varandas que "um bandido será sempre um bandido", que "quando Pinto da Costa se retirar prestará um grande serviço ao futebol português", que o presidente do FC Porto "não podia ser dirigente do que quer que fosse num país de primeiro mundo" - tudo isto ao mesmo tempo que a SAD por si presidida faz permutas de jogadores com a SAD do "bandido" que "não podia ser dirigente do que quer que fosse num país do primeiro mundo". Estamos, é facto, no terceiro mundo.
4 Depois de assistir, impotente, à saída gratuita de titulares como Marcano (premiado um ano depois com três milhões de euros pelo regresso!), Herrera, Brahimi e Marega, não admira que a SAD do FC Porto se tenha esticado no prémio de assinatura oferecido a Otávio. Acontece que se não vender o luso-brasileiro antes do início de cada uma das próximas três épocas, ele passará a custar muito mais dos que os seis milhões que, a crer em Pinto da Costa, jamais a SAD portista aceitará suportar como custo anual de um jogador. A ver vamos.
5 O pior do que se retira das contas portitas é o "buraco" da tesouraria: a SAD tem para pagar durante esta época mais 128 milhões de euros do que aquilo que tem para receber no mesmo período - uma calamidade! Mas nem só de más notícias vive o universo azul e branco: foram esta semana anunciadas as renovações de Fábio Vieira e Diogo Costa, dois jovens de elevadíssimo potencial. Sendo formados na casa, contribuirão com fortes mais-valias - estas reais! - para as contas do exercício da época em que forem vendidos.