PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 O Palmeiras de Abel e o Fluminense de Fernando Diniz. Dois estilos de jogo, ambos poderosos e atraentes, totalmente opostos em confronto.
Ao mesmo tempo, regressa Sampaoli, mescla de ideologia da posse ofensiva com personalidade de cientista louco. Qual dos contornos irá desenhar o seu novo Flamengo?
O campeonato brasileiro começa com estes três factores como principais protagonistas de análise. Três treinadores de três mundos diferentes. Portugal, Brasil e Argentina, com a impressão digital de cada escola embora cada um deles tenha uma identidade muito própria que até marca rutura dentro dos seus próprios mundos.
2 O "Dinizismo" que nesta altura apaixona o Brasil tem o aroma revivalista do futebol brasileiro feito com o açúcar da técnica e a bolinha de pé para pé (Ganso a passo e passe) com dribles (aqui entra um extremo colombiano diabólico, Arias), os volantes que fazem jogar tratando bem a bola (de André a Martinelli) e um nº 9 que faz golos, daqueles que sabe tudo sem sair muito do sítio (o velho caminhante argentino Cano).
Há até quem sinta o aroma de Telê Santana, o maior profeta do futebol-arte brasileiro como causa perdida dos anos 80. Um exagero compreensivelmente humano, entre o desejo e a realidade.
3 Após a queda de Vítor Pereira (três meses de total inadaptação ao Flamengo, jogadores, equipa e tática) o Brasileirão 2023 terá no arranque sete treinadores portugueses.
Abel tornou-se o mais poderoso "grilo falante" do futebol brasileiro no sentido do que esta personagem animada era para o Pinóquio: a consciência que nunca hesita em dizer o que deve ser dito e feito, críticas e conselhos. Ou seja, o seu futebol de "esperteza e inteligência" (alternando ataque organizado-continuado com um jogo mais de expectativa e ataque à profundidade) é hoje tão impactante como as suas conferências de imprensa nas quais toca em todos os problemas do futebol brasileiro (desde o calendário louco sobrecarregado até estruturas e metodologias de treino que têm de se adequar).
O seu Palmeiras tornou-se um camaleão tático cirúrgico que vale pela convicção com que coloca em prática os seus planos de jogo. Tem uma dupla de "centrais zagueiros-xerife" (Gomez-Murillo), um nº 10 quase à moda antiga (Renato Veiga), um pensador desequilibrador desde a faixa (Dudu, craque que merecia mais reconhecimento) e, embora continue esperando os golos de Rony (vindo da faixa ou no meio), lança o garoto-fenómeno do futuro, Endrick (ainda com apenas 16 anos!). Já foi à Disneylândia, mas ainda aprende a andar no mundo adulto (entenda-se entre defesas duros na marcação apertada).
4 Luís Castro vai tentar continuar a reconstrução do Botafogo. A equipa necessita subir a sua agressividade tática para defender resultados porque boas ideias de jogo já mostrou que tem desde a época passada.
Renato Paiva (no Bahia, agora propriedade do grupo City) e Caixinha no Bragantino (do grupo Red Bull) são dois treinadores que têm de seguir o estilo dos investidores, donos dos clubes num processo de futebol empresarial que vai também invadindo o Brasil. É sedutor pensar que, nestes casos, o princípio terá de ser o "jogar bem" para atrair os olhares para estas equipas que têm essa marca comunitária. Pode parecer uma contradição esta união negócio-romantismo, mas (mesmo sabendo o argumento demolidor que são os resultados) constatar este princípio como intenção do projeto faz ter mais vontade de ver estas equipas jogar.
Tão romântico como jogar na Arena Pantanal. É o Cuiabá de Ivo Vieira que já venceu o Estadual de Mato Grosso e vai ter na frente, como ponta-de-lança, o tão letal como desengonçado Deyverson. Foi ele, nesse estilo, que deu a ultima Copa Libertadores ao Palmeiras de Abel. Ele é a ironia num futebol que busca resgatar a técnica como inspiração, mas depois acaba a procurar quem resolva os problemas mesmo sem a estética mais perfeita.