PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - É quase uma existência de análise quixotesca. Sobretudo num tempo de ditadura do argumento dos resultados e da contagem de remates, a contabilidade que os treinadores têm mal o jogo acaba para debitar na "flash-interview" como "álibi exibicional" para qualquer resultado. Mesmo considerando toda a subjetividade que a preferência de estilos implica, considero o que chamo de "campeonato das ideias de jogo" como fundamental para o futuro da saúde futebolística. Sem confundir as coisas. O criativo com o repressivo. O respeitador da bola (vontade de a ter) contra o que a vê como uma ameaça (alívio de a ver longe). A técnica contra a canela.
Acho que o topo do campeonato tem seguido essa linha e, só por isso, já vejo a luz da inteligência ao fundo do túnel da intensidade. Ainda não ouço "gongos tibetanos" de tática ou estilo, mas sinto-me melhor.
2 - Para evitar que esta reflexão caia no ruído dos grandes, é melhor sustentar a ideia com outras equipas que se espalham pelo campeonato.
O Marítimo é, talvez, o melhor exemplo de luta por sair do fundo da existência estilística de jogo para passar a trazer o futebol de volta ao campo todo, com técnica e bola. As ideias têm, claro, rostos.
Vasco Seabra é um embaixador desse futebol que faz bem à vista. Mesmo contra o Sporting juntou no mesmo onze Beltrame, André Vidigal, Xadas, Alipour e Guitane. Trata-se de meia equipa com jogadores que soltam aroma de bom futebol associativo-ofensivo de passe e criatividade com técnica. Já perdeu e ganhou neste estilo mas o facto de ter sido assim que saiu das catacumbas da classificação onde, como nesta época e anteriores, o Marítimo se enfiara com outro tipo de treinadores, já explica do que estou a falar (e está a um ponto do possível 6.º lugar europeu).
3 - O Gil Vicente podia ser o destaque desta reflexão mas antes dos jogadores (da rotação tecnicista de Pedrinho à visionária de Fujimoto com travessuras de Samuel Lino) direi que Ricardo Soares limitou-se a pôr em campo o "ovo de colombo tático-técnico". Um 4x3x3 com respeito pela mais tradicional ocupação racional dos espaços, pelo centro e faixas (até com reminiscências de extremos à moda antiga).
O Vizela de Pacheco é uma equipa que apetece sempre ver mas aqui já entra o grito de alerta do realismo de que nem todas as alturas são ideais para dizermos o que pensamos. Ou seja, há momentos em que é melhor pensar duas vezes antes de... não dizer nada (máxima da diplomacia). Tal pode aplicar-se a uma equipa que entrando sempre a fazer as despesas da posse, linhas subidas e ataque ao jogo, tem de aprender, depois, a sentir melhor os momentos em que deve fazer silêncio tático atrás da linha da bola. Não é, para segurar o resultado, fazer o contrário do que fez para o conquistar. É saber o tempo de o proteger.
Quem olha o campo todo
No campeonato das ideias de jogo, também surgem sensações cruzadas. O Estoril de Bruno Pinheiro foi perdendo o aroma associativo de saída com passes verticais à medida que fui vendo uma excessiva preocupação com marcações "homem". A "zona" convida a outra criatividade tática.
Tenho expectativa para ver, em face das boas sensações já provocadas, como vai evoluir a ideia de jogo do Paços de César Peixoto (a partir da quebra definitiva da linha de 5 e o otimizar do jogo interior vindo desde fora, os flancos).
Mário Silva está a dar o melhor padrão de estilo da época ao Santa Clara. Olha para a equipa, olhando ao mesmo tempo para o campo todo. E, claro, para esta ideia ter aplicação prática conta muito ter Morita e Lincoln para pegar no jogo a partir do seu cento de pensamento e criação.
Acho que o Famalicão, saindo dos lugares de descida, é das equipas que, em termos de últimos 30 metros (Ivan Jaime, Bruno Rodrigues, Ivo Rodrigues, Marcos Paulo, Banza...) mais condições tem para fazer essa evolução ideológica que os jogadores, por si só, já lhe dão nos jogos. Rui Pedro Silva procura arrumá-los o mais que pode no mesmo onze onde, com a entrada de Assunção a "6" e João Carlos Teixeira como inventor-"enganche" ofensivo, construiu um meio-campo antes inexistente.