PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Recuemos cinco anos, até 2017. O FC Porto ficara sem os seus argumentos históricos identitários mais convincentes. Estava há quatro épocas a comprar grandes jogadores (rotulados de craque), a gastar muito dinheiro, mas deixara de ganhar. Pior, a raça, o sentimento no estilo, que moldara o seu código genético, desvanecia-se. Assim, nessa tarde, na apresentação do novo treinador, ficava claro que se contratava Sérgio Conceição porque, com o seu regresso, era imprescindível ganhar mas, antes do mais, para atingir esse objetivo logo no seu primeiro ano, era decisivo resgatar o ADN perdido.
Conceição cumpriu com profissionalismo de coração o desafio assumido: ganhou. Ninguém podia esperar, com a equipa que tinha, sem o tal investimento desmedido anterior, que saísse a jogar desde trás, que elaborasse apoiado no meio e ganhasse concursos de beleza de futebol técnico. Atacando massivamente com os jogadores ao dispor, na velocidade, atitude e físico, ganhou. O clube resolvia a angústia principal. A administração fortaleceu-se, os adeptos festejaram aliviados, a imprensa acalmou e o treinador ganhou um estatuto intocável.
2 - Chegados a esse ponto, as prioridades (e desejos) de um treinador mudam, porque além de ganhar (ou perder, na época seguinte, roendo os mesmos ossos) sentia imprescindível avançar no plano do jogo para, no modelo exibicional, estar à altura do que representava o FC Porto dentro do melhor futebol europeu. Um treinador tem direito a querer ser progressista quando sente que já existem poucas razões para ser conservador. Foi com essa ideia que já se fizeram as últimas épocas portistas, algo, por fim, plenamente expresso na atual, quando o perfil dominante do jogador-tipo passou a contemplar fatores técnico-táticos mais refinados e evoluídos. Era necessário comprar medicina de fundamentos de jogo para várias épocas, ao contrário do tratamento de choque inicial de emergência para apenas uma.
3 - A vitória/exibição sobre a Lázio, na forma como se sentiu o impacto da entrada de Vitinha na segunda parte, mudando o jogo ao dar-lhe o critério de construção desde trás no meio-campo até chegar a definir na frente, as subidas com critério (e não apenas correrias pela faixa) do lateral João Mário para depois cruzar/passar com visão, a ligação de Otávio e Fábio Vieira a controlar, escutar, parar e olhar, antes de tudo que fazem no centro do jogo (relacionando, ao mesmo tempo, faixas-centro), mostram como todo este trajeto-Conceição dentro do estilo de jogo portista cumpriu várias etapas de evolução. E ele próprio, como treinador, também cresceu ao mesmo tempo com elas.
O cenário europeu (pela pura e estrita exigência futebolística, sem os gritos e confrontos tribais dos jogos, até clássicos, internos) é o melhor para perceber esta realidade evolutiva que faz o futebol e equipas, jogadores e treinadores, crescerem.
A atitude ou o capricho?
Sem centrais de raiz, o Boavista, com defesa a três, fica quase "sem teto tático" mas quando, na segunda parte, o Benfica (a ganhar 0-2) quis ativar o modo de gestão, o onze de Petit cresceu imparável, em cima das movimentações de Gustavo Sauer a pegar ,no jogo mais vezes por dentro. Junto do poder de Makouta, a maior pressão e o abrir das faixas (jogando de fora para dentro) mudaram totalmente o jogo.
A incapacidade competitiva do Benfica reagir mostrou uma equipa que, dominada pelos jogadores, parece hoje jogar apenas aquilo que eles quiserem. O treinador faz o onze que entra em campo mas, a partir desse momento, olha o jogo com a mesma admiração que depois se vira para os suplentes no banco abrindo os braços como querendo perceber o que de repente se está a passar. Surreal.
Um mundo paralelo como o que de início revelou Taarabt, que faz do futebol um atividade para expressar a sua personalidade caprichosa. Tem técnica por todos os músculos, mas a sua cabeça sempre foi um mistério que nunca ninguém conseguiu decifrar. Enquanto durou, o centro do 4x4x2 encarnado, mesmo, nesse "flirtando" com a inconsistência, pegou o jogo. Sem ele, a dupla axadrezada Makouta-Suaer, mais acostumada a controlar desafios táticos do que seres caprichosos com bola, virou o jogo e merecia ganhá-lo.