PLANETA DO MUNDIAL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Messi é Messi. Génio. Scaloni é o treinador que resgatou a lógica de organização de equipa na seleção.
Neste Mundial já mudou várias vezes de sistema (do 4x4x2 aos três centrais do 5x3x2, por entre outras variantes) mas por entre todo este percurso tático, desde a derrota assustadora com a Arábia Saudita até à vitória implacável contra a Croácia, há um jogador chave que foi entrando e mudou tudo: Julián Álvarez!
De início, não foi opção. Em 4x3x3 com Messi como "falso 9 livre", era o "Papu" Gomez que vinha da faixa; depois, em 4x4x2 foi Lautaro Martínez a juntar-se a Messi, até que ao terceiro jogo começou a notar-se o impacto Álvarez, jogando também a partir da faixa apesar de ser um n.º 9 de origem.
Esta posição e movimentação no jogo já vinha sendo utilizada, porém, por Guardiola no Manchester City que, ao apostar nele nessa dinâmica, se confessara mesmo impressionado pela forma como ele se movia e pressionava a partir dessa posição em largura. É o que tem sucedido nesta Argentina. O "Papu" repetia diagonais para organizar, Lautaro, salvo as devidas proporções, tem perfil idêntico a Messi.
2 Com Álvarez surgiu um avançado pressionante, mobilidade e presença também como n.º 9, libertando ao mesmo tempo, num complemento de estilos, Messi para pegar noutros espaços. A mudança no meio-campo, de Paredes e Guido Rodríguez até à entrada de Enzo Fernández, que mudou o sector a partir da posição "6", também foi relevante (contra a Croácia jogou mesmo o duplo-pivô Paredes-Enzo) mas, mais do que esse fator e as mudanças de sistema tático foi a partir de certo momento, nessas variações, ter entrado o impacto-Álvarez. Mudou tudo, até como a equipa começa a defender (pressionar) na frente. E, depois, é uma fera ainda com cara de "pibe com borbulhas" a atacar qualquer defesa. Entrou por dentro da defesa da Croácia como um carro de assalto. Num lance ganhou um penálti, noutro marcou um golo de raça técnica pura.
3 Encontrar este tipo de jogadores com esta disponibilidade coletiva e de aprendizagem do jogo moderno (que exige participar em todos os seus momentos, defender-atacar, de diferentes formas) não é comum num "pibe" de 22 anos. Por isso, lia há pouco (no "The Athletic") como a Argentina alterna o jogo "lento e elaborado" com o "veloz e direto". É verdade mas por mais que Messi faça chover ou vir sol durante um jogo (inventado jogadas individuais, dando ou marcando golos), quem muda o comportamento da equipa (sem esse toque de "génio messiano") é o ser futebolisticamente terreno Álvarez. E é natural que assim seja porque falamos numa especificidade de atacar-defender pressionando num contexto de responsabilidade coletiva acima do fator diferenciador individual.
O mundo tático moveu-se na Argentina durante o Mundial. Foi o impacto-Álvarez (por entre mudanças de sistema e coisas de "génio baixinho").
O jogo que ninguém quer ver
O jogo de terceiro e quarto lugares é algo que custa a entender nos tempos que vivemos. Nenhuma equipa ou jogador o quer jogar e o interesse de o ver é quase nulo. Existe pela história mas toda a atmosfera que se respira antes, durante e depois é de total descompressão sem interesse competitivo.
Admito que foi diferente em algum tempo. Gostamos sempre de dizer que Portugal ficou em terceiro lugar no Mundial"66 (e não que foi à meia-final e perdeu). Eusébio e "bom gigante" Torres, que fez o nosso golo da vitória à URSS com Yashine na baliza, merecem essa memória seletiva e precisa.
Vi muitos, depois, em tantos Mundiais e não recordo um que não seja pela cara triste dos jogadores. Como em 82, vendo Platini e Tigana (que nem o jogaram porque Hidalgo deu, justamente, lugar a uma segunda equipa) a olharem tristes, cabisbaixos para a medalha quando poucos dias antes tinham acariciado jogar a final com um futebol maravilhoso. Neste ano 2022, talvez o facto de Marrocos, "outsider" fantástico, ainda estar a viver um sonho vindo do "impossível" possa dar um alento extra ao jogo.
Nota: sobre o despedimento de Fernando Santos pelo fator-Ronaldo (perdão, pela Federação) irei escrever com mais tempo e espaço noutra altura. Agora é tempo de elogios de crocodilos tristes.
Tática
Álvarez: movimentação e pressão
O factor que mais mudou o jogo da Argentina
Cultura
O jogo que ninguém queria jogar
Santos e o tempo dos crocodilos tristes