PLANETA DO MUNDIAL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Nunca uma seleção africana chegara às meias-finais de um Mundial. Revendo as que antes chegaram a sonhar mais longe (quartos-de-final) vejo esta equipa de Marrocos como a "mais tática" na abordagem do jogo.
O Gana-2010, de Asamoah a Ayew, era a mais ofensiva, o Senegal-2002, de Diop e Diouf, tinha saber de formação francófona e soltava-se, mas, para o adepto de meia idade serão sempre os Camarões-90 os donos do nosso coração africano mundialista, de NKono, guarda-redes de calças, esfinge negra na baliza que já vinha de 82, até Makanaky, os saltos de Oman-Biyik e o velho Milla sem idade.
Jogavam sem pensar muito nas consequências. Sobretudo as piores. Caíram só num prolongamento, contra Inglaterra, em que a ganhar jogaram como se estivessem num baldio de terra (no sentido de atacar sem olhar para trás). Não esqueço, também, a Nigéria de 94. Fantasia com potência. De Yekini a Amunike. Só Baggio os derrotou (quando também já tocavam os quartos). Dois anos depois, com Kanu a brilhar numa desengonçada fantasia de técnica, foram campeões olímpicos contra Brasil e Argentina.
2 - Esta seleção de Marrocos, apesar de muito elogiada pela sua organização de jogo, não tem nenhum segredo tático mais escondido. O que vimos foi essa ordem posicional com duas "linhas de 4" e um médio âncora no meio. Quando, para travar e surpreender a França, mudou essa estrutura de início, passando para três centrais, sofreu um golo (em lance dentro da área) logo aos cinco minutos. Não foi por acaso. O jogo de dobras constantes que fazia na estrutura organizacional anterior enraizada não era o mesmo e sentiu-se nesse início que (nas consequências) marcou o jogo até ao fim.
3 - Não é possível, porém, a partir daqui dizer que este será o momento em que, por fim, o futebol africano (desde os anos 80 apelidado o "futebol do futuro") irá disputar de igual para igual as competições contra os europeus. Muitos destes países citados continuam com atrasos estruturais e de organização interna enorme. Isso é decisivo e essa "colonização futebolística" da qual têm de se libertar agora, criando as suas bases após tantas décadas subjugados. Estes jogadores, na maioria, já nem nasceram nos países que representam só por herança familiar genética. Fazem uma boa seleção conjunturalmente mas depois desaparecem, estruturalmente, até outro belo dia para eles.
Neste contexto, o que mais atraiu nas seleções africanas foi, em vez dos clássicos treinadores europeus (quase sempre) beduínos, terem os seus técnicos de origem: Aliou Cissé (Senegal), Kadri (Tunísia), Rigobert Song (Camarões), Otto Ado (Gana) e, claro, Regragui (Marrocos). É um bom princípio porque não tenho dúvidas: mudaram mais os jogadores africanos o futebol na Europa do que os treinadores europeus o futebol em África.
Seleção: utopia de grupo
As seleções são diferentes das equipas no tempo de treino para qualquer treinador construir um modelo de jogo sólido, tal o pouco tempo que está com os jogadores (e vários diferentes de jogo para jogo).Mesmo num Mundial ou Europeu a diferença existe com mais tempo para treinar. Nestes casos, atenuada a questão do tempo de treino, a outra chave que trava a diferença para um clube está na convivência ter um valor sentimental diferente e menos enraizado.
Aqui está a tal questão de noção de grupo, como se viu naquele regresso despedaçado da Seleção. Independentemente de questões logísticas particulares dos jogadores, era impossível isso suceder numa equipa de clube.
Razões para isto? Várias. Penso logo em que como não existe um vínculo contratual como nos clubes, os jogadores sentem-se mais libertos de responsabilidades com a entidade patronal (no fundo, inexistente) e vivem tudo de forma provisória. Mesmo os grandes objetivos desportivos que jogam acabam relativizados.
Mudar esta forma de sentir a seleção não é fácil por isso muitos selecionadores optam por fechar o grupo o mais possível e criar um inimigo (imaginário, claro) em que os jogadores acreditem para formar grupo. Percebem agora a diferença que fez cá Scolari (taticamente fraco) para os outros?