PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Mais do que misticismo, é a eternidade do Rei num dos mistérios de balneário mais fascinantes da história do futebol. Um mistério iniciado quando, em Outubro de 1974, Pelé fez o último jogo pelo Santos, seu clube de sempre, contra o Ponte Preta e, no fim, após o banho, trancou à chave a porta do seu cacifo que desde então nunca mais foi aberto.
Só agora surgiram fotos que permitem ver algo do que está lá dentro
O balneário sofreu, claro, várias remodelações ao longo dos anos, modernizou-se, mas no local do armário do Pelé nunca se tocou, ficando mesmo protegido, preservado por uma placa enorme numa porta, parede falsa na nova configuração, com uma foto sua enorme. É esta imagem que sempre acompanhou diferentes gerações de grandes craques que passam por Vila Belmiro. Até hoje.
Com a partida do Rei, falou-se que o cacifo iria ser aberto para descobrir por fim o que Pelé guardara em seu interior após esse seu ultimo jogo. Ele sempre disse para nunca o abrirem porque o que guardara lá dentro, amuleto ou o que for, era sagrado e que iria sempre proteger e dar sorte ao "time" do Santos. Guardara a chave para si e nunca mais ninguém tocou nesse cacifo sagrado.
2 - Após dias de expectativa, a direção do Santos, junto com a família do Rei, decidiu, no entanto, manter tudo como está e não abrir o cacifo. Ele vai permanecer fechado. O mistério fará aumentar a lenda do Rei.
Foi então que surgiu agora um velho fotógrafo de 88 anos, Reginaldo Manente, então ao tempo ainda jovem a fazer carreira no Estadão de São Paulo, que tirara fotos desses últimos momentos de Pelé no balneário do Santos. Só ele lá conseguira entrar e para isso enganara um segurança durante ao jogo.
Disse-lhe que o filme da sua máquina tinha travado e precisava de um lugar escuro para retirá-lo, senão perdia todas as fotos feitas. O guarda não o queria deixar passar mas acabou convencido com tantos pedidos e com a vontade de ver o jogo nunca mais se lembrou do fotógrafo que deixara passar. Reginaldo ficou o tempo todo escondido no balneário aguardando o fim e a chegada de Pelé. Incrível.
3 - As fotos, desgastadas com o tempo, foram agora recuperadas e digitalizadas em alta resolução. Confesso que fico hipnotizado a olhar para elas. Eu também tento ver mais do que toda a gente sobre o que estava lá dentro. Alguns objetos são visíveis.
Assim, nesses enquadramentos com o cacifo aberto, pode ver-se uma estátua de Nossa Senhora, um troféu, um ramo de flores, um estojo daqueles que guardam placas de homenagem, um recipiente de talco Sopex, dois cabides, um par de chuteiras e as solas de uns sapatos. A parte interna da porta do cacifo tem outra imagem de santo, colado com fita adesiva, com os dizeres "Deus em minha casa". Toda a devoção e fé de Pelé, normal até hoje em muitos jogadores brasileiros nos seus locais privados no balneário, aparece em mais uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida. Há também uma mensagem escrita a giz no interior da porta que dá para ler. É de Marinho, antigo jogador : "Eu gostaria de estar aqui na despedida do maior jogador do mundo.". Ninguém sabe quando foi escrita.
4 - É, portanto, possível ver muito do que ficou lá dentro mas sem resolver o maior mistério porque, como ainda hoje conta o velho Reginaldo, a preocupação dele era só tirar "boas chapas" do Pelé e nunca dirigiu a câmara para o armário. Queria uma foto com Pelé a descalçar as chuteiras pela última vez, mas ele já chegou tirando a bota com o calcanhar sem sentar e após limpar as lágrimas e tirar as ataduras, entregou-as pela última vez ao roupeiro Sabu que o conhecia desde o primeiro dia que chegara ao Santos. "Guarda para mim", disse. As fotos enquadradas com o cacifo aberto são puro acaso.
Pelé pouco falou nesses momentos. Conta quem viu que, emocionado, saiu do vestiário de calção, e ainda sem camisa, pela porta que dava para a rua Tiradentes, escapando da multidão, entrou num carro e desapareceu. O cacifo ficou trancado e Sabu sozinho, ajoelhado, a chorar junto dele. Nunca mais ninguém o abriu. A mística e o verdadeiro mistério permanecem. Ainda bem.
De que falava Pelé sobre o que deixara lá dentro e para nunca tocarem? Uma incrível história do futebol.
MODELOS
Como recordo o fenómeno Roberto Dinamite?
Poucos dias após Pelé, também subiu à eternidade outro craque-monstro do futebol brasileiro. Roberto Dinamite. Um grande ponta-de-lança dos anos 70/80, o maior símbolo da história do Vasco da Gama (onde começou a jogar em 1971 por quem fez 1110 jogos e marcou 708 golos). O seu apelido Dinamite nasceu, claro, com seus remates potentes e muitos golos que marcou. O maior goleador da história do Brasileirão com 190 golos. Fez o último jogo no Vasco em 1993, num particular com o Corunha no Maracanã. Nessa altura tinha 38 anos. Conservo a sua memória de nº9 mais de força do que técnica mas que se movia com olhos na baliza de forma aterradora.
Esteve no Mundial"78, mas sem brilhar. Recordo ter ficado fascinado quando na época 79/80, no seu auge, foi contratado pelo Barcelona. Então era impossível vermos jogos do campeonato brasileiro. Jogando na Europa iria, por fim, ver o Dinamite. Foi para substituir Krakl, Bota de Ouro. A verdade, porém, é que não se adaptou e quando chegou o treinador Helenio Herrera, famoso por suas táticas defensivas, Dinamite só faria 11 jogos em Espanha e voltou para o Vasco. No jogo de regresso, contra o Corinthians, marcou cinco golos (vitória por 5-2 num dos jogos mais lendários da história do Vasco). A partir desse dia, Roberto Dinamite tornava-se ídolo, herói e mito de toda a torcida do universo vascaíno. Imortal!
Quem me fez (faz) sonhar: Coutinho
Numa página de misticismo de craques brasileiros, é importante falar de Coutinho, que fez dupla de ataque com Pelé no Santos, junto de Pepe e Dorval. Eles eram muito parecidos e, por isso, Coutinho sempre disse que tinha muitos erros nas contagens dos golos porque, dizia, num tempo em que muitos jogos nem eram filmados, muitos desses golos foram dele e não do Pelé! Mas os jornais escreviam e não havia forma de emendar. Não sei o que é verdade disso, mas é outra boa história. Pelos registos, Coutinho fez 368 golos em 457 golos entre 58 e 68. Mas, admito, foram mais!