A JOGAR FORA - Opinião de Jaime Cancella de Abreu
Corpo do artigo
"Não há nenhum clube no mundo que possua uma mística igual à do Benfica." Béla Guttmann.
1 - Por mais que os comandados de Erik ten Hag se tivessem apresentado na Luz cem por cento vitoriosos na competição e, no início dessa caminhada, tivessem humilhado de goleada a equipa que tem a mais intransponível defesa de Portugal, além - dizem! - do melhor trinco do mundo, festejar um empate com o vigésimo classificado do ranking da UEFA revela quão baixas andam as expectativas e exigências encarnadas - é que o valor do nosso plantel (271 M€) não é assim tão inferior ao do campeão neerlandês (364 M€) e a nossa posição no ranking (21º) está, afinal, bem colada à deles.
Com isto me vem à memória o enorme Shéu Han, que no fim da sofrida igualdade que em Alvalade praticamente garantiu o título de 2014-15, disse, no recato de um balneário em euforia, para quem o quis ouvir: "No Benfica não se festejam empates!"
Pois é precisamente com a atribuição de brilho a empates que não valem títulos, nem ao menos a passagem de eliminatórias que se exige serem consideradas ao nosso alcance, que se vai alegremente apagando a mística a que se referiu o inigualável globe-trotter do futebol mundial que dava pelo nome de Béla Guttmann.
2 - Não falta por aí quem acredite que a segunda parte do jogo com o Ajax foi o clique de que a equipa precisava para se projetar para um final de época sem as bipolaridades que tem vindo a alardear e com o espírito de grupo, a determinação e os níveis de intensidade imprescindíveis a uma equipa que se julga, e se quer, de altíssima competição. Só espero que esta fé, que também partilho, não se venha a revelar um novo delírio. (A confirmar, mais logo, na difícil receção ao Vitória de Guimarães e nos jogos que se seguirão).
Apetece-me, não obstante, perguntar onde anda o profissionalismo e a motivação de um grupo que só joga àquele nível - e recupera até de duas comprometedoras desvantagens! - quando se exibe na "montra da Champions".
3 - A miserável segunda parte do Bessa - um tijolo mais na edificação da descrença na equipa e nas capacidades técnicas e de liderança do treinador - foi um sério convite ao desinteresse dos adeptos para a importante receção ao Ajax. Mas o craque maior do Benfica na época, aquele que tem sido um exemplo único de vontade, de persistente entrega, de comovente crença perante as continuadas desilusões a que é sujeito, voltou a não virar a cara à equipa - parabéns ao "décimo segundo jogador", que surpreendentemente esgotou a Luz, apoiou os jogadores e deu à partida o inigualável colorido das grandes noites europeias.
4 - Quando ao circunstancial, educado e institucional cumprimento entre os presidentes de dois grandes clubes é dado especial relevo noticioso, está tudo dito sobre o lastimável estado a que chegaram (no nosso país) o futebol e grossa parte da comunicação social. Mas diz também alguma coisa sobre a ingenuidade "política" dos nossos dirigentes: depois do episódio do Dragão, e sabendo-se que Pinto da Costa não dá ponto sem nó, porque esperou aquele cumprimento pelo olhar voraz das câmaras dos fotógrafos e das televisões em vez de ter tido preventivo lugar, como outros que ocorreram entre os senhores presidentes, nos discretos bastidores da pomposa cerimónia?
Assim se evitava uma tão inútil quanto infalível polémica dentro da família benfiquista: deve ou não Rui Costa deixar de mão no ar aquele que é por muitos considerado o maior inimigo (de toda a história) do clube?
Daqui deixo, a fechar, uma modesta, mas muito solidária, palavra de conforto a Yaremchuk.