PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Quando chegou à seleção brasileira, uma das primeiras ideias que Tite referiu foi a intenção de lançar o princípio de "atacar com seis".
As exigências táticas de encontrar um equilíbrio para a equipa, sobretudo a meio-campo, levaram a que essa ideia tivesse mais a base dos jogadores que apareciam no ataque do que os que já lá estavam por origem do sistema.
O último particular com o Gana demonstrou, porém, que a ideia de Tite está agora, visando o Mundial, a ganhar forma em termos de avançados puros num sistema que, à primeira vista, parece sempre ter um avançado a mais e um médio a menos.
2 O onze que surgiu a voar desde o início tinha, nesse desejo atacante, cinco avançados de estrutura: Vinícius e Raphinha a partir das faixas com Richarlison e Neymar no meio, num sistema de 4x4x2 que com o meio-campo "a dois" , soltava Paquetá como armador-criativo desde trás pelo corredor central, chegando depois à frente como um "quinto passageiro de ataque".
Se a este cinco juntarmos a subida dum lateral, Alex Telles na esquerda, indo na largura nas diagonais de Vinícius, aí estava, na prática, o princípio de "atacar com seis". Atrás ficava apenas o volante-pêndulo n.º 6 Casemiro e a linha de defesas que, na prática era, com bola, de três, pois aos centrais Marquinhos-Thiago Silva, junta-se o lateral-direito que é, na prática, um defesa que fica, Éder Militão, central de raiz, que dava todo o corredor direito a Raphinha, apenas lhe protegendo as costas.
Esta é, também, uma forma de resolver/atenuar o principal problema em termos de posição que o escrete tem, a de lateral-direito, que deverá ser Danilo, única opção clara, mas que nesta opção tático-dinâmica pode não entrar de início.
3 Contra uma seleção africana, o Gana, também romanticamente ofensiva, o sistema "conto de fadas" de Tite desintegrou o adversário.
Seduz pela ideia mas deixa, claramente, grandes dúvidas táticas de como irá, nesta disposição (de estrutura e características dos jogadores) controlar jogos a meio-campo (o espaço onde taticamente eles se decidem) contra seleções europeias de inteligência e esperteza, que marcam tendo a pressão como princípio de atitude competitiva.
Penso nisso vendo como Neymar recebia a bola sempre solto, com tanto espaço, entre as linhas do 4x1x4x1 ganês. Uma ilusão competitiva que, no entanto, teve o mérito de mostrar que esta será, indiscutivelmente, a sua posição no modelo-Tite: a jogar no meio, como avançado solto (o "meia" como chamam no brasil). A faixa deixou de ser o seu habitat. Essas ficam para os alas, sobretudo Raphinha, por ser um jogador raro no futebol brasileiro em termos de verticalidade e velocidade pela faixa quase velho extremo, e as diagonais de Vinícius.
A intenção é colocar Neymar no espaço de decisão que será sempre no meio, o local para o último momento (passe ou remate) que resolve enquanto que na faixa existirá sempre "só" o penúltimo passe ("ninguém faz golo da faixa", diz Tite).
4 Nesta equação de equipa e jogo, ainda não surgiu o n.º 9 mais clássico, Pedro. A ideia de Tite foi colocar nesse espaço mais a mobilidade do Richarlison.
São conceitos diferentes para a mesma posição que poderá variar em função dos jogos. E, não esquecer que, no banco, ainda estavam Rodrygo e Antony. Um paraíso de avançados que tem, porém, um núcleo de "médios seguradores" de reserva: Fabinho ("6" para substituir Casemiro), Fred e Bruno Guimarães, estes mais candidatos a ser o segundo volante de saída (o "8" europeu) em jogos que exijam outras coberturas (ocupação de espaços) a meio-campo.
Mais do que o"hexa" com que todo o Brasil sonha, Tite quer deixar uma marca de identidade ofensiva que perdure além da conquista. Faz lembrar o legado de beleza de Telê Santana (embora sem nunca ganhar). A missão de deixar ao mundo a mensagem que o futebol do Brasil continua lindo. Não pode existir, para a história, algo maior do que isso sobretudo nestes tempos em que tantos valores se confundem.