PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - A crítica que submergiu a Seleção após o jogo em Dublin, mais do que um estado depressivo de análise, reflete o grau de exigência em que ela hoje vive.
Jogar na Irlanda sempre foi como entrar num campo de batalha quase ancestral. Todas as seleções sentem o mesmo. Querem jogar o seu jogo e passa-lhes por cima uma armada de irlandeses de calções e chuteiras em fúria por ganhar qualquer bola (embora, depois, quase sempre, não saibam o que fazer com ela).
Portugal, num jogo de circunstâncias muito especiais (o jogo mesmo decisivo era três dias depois, podia empatar, tinha de poupar jogadores-chave para não verem amarelos, etc.) não conseguiu evitar isso mas também ficou claro que não se empenhou muito para tal. Longe disso.
Viveu na "real politik" diplomática-futebolística de pensar duas vezes antes de não dizer nada (entenda-se, neste caso, não se meter numa batalha na qual não tinha, em rigor, nada a ganhar porque o único objetivo era sair dali inteiro para ganhar o apuramento no jogo que, acontecesse o que acontecesse em Dublin, o iria verdadeiramente decidir). O jogo com a Sérvia, claro. Sinceramente, penso que noutras circunstâncias seria diferente. A atitude tático-agressiva da equipa, composição do onze, e abordagem competitiva ao jogo. Sejamos, pois, moderados.
2 - A chamada "geração milenar" já cresceu com outra realidade de futebol português mas para qualquer adepto de, digamos, meia-idade, que vive o futebol internacional desde a sua juventude, os últimos jogos de luta pelo apuramento deixaram traumas de adolescência. Se pensar nas décadas de 80/90, foram um cemitério de sonhos (tirando aquela noite de ilusão do golão de Carlos Manuel, em 85 na Alemanha, que depois terminaria no pesadelo de Saltillo).
Comecei, ainda miúdo, a ver a seleção perder nas Antas numa noite de chuva copiosa contra uma equipa que tinha um careca imparável a correr na frente no meio da lama (era a Polónia de Lato). Para o Mundial"82 defrontámos a outra Irlanda, a do Norte, e após um bom início, acabámos por perder uma batalha na qual o estilo de jogo foi muito semelhante ao visto esta semana. A diferença é que naquele tempo estávamos todos resignados a ter que sofrer. Não é como agora em que achamos que temos de chegar a qualquer lado e mandar. Nesse jogo de 81, perdemos perto do fim (num cruzamento e cabeceamento, claro, a que o Bento não chegou).
3 - Talvez o meu caso com a Seleção seja mais psiquiátrico do que puramente futebolístico, mas não consigo ver (sentir) esses seus jogos sem estar nessa bipolaridade de épocas (ou ciclos de vida). Nunca somos só uma coisa. O jogo com a Sérvia, visto por todo esses percursos, pode ter esqueletos no armário mas até eles envelhecem e deixam de assustar ou falar. Acredito nisso.
A arte de sofrer
Nos exemplos que, ao lado, dei do (meu) passado a começar a sofrer pela Seleção falei de tempos em que os apuramentos eram mesmo a sério. Não era este passeio com Luxemburgo, Azerbaijão e até a Irlanda (as duas, da elegância de Martin O"Neill à raça de Roy Keane, jogavam muito). Como sofríamos contra a Áustria ou a Suécia do futebol físico (encolhíamos em campo), que nos venceu no jogo para ir ao Mundial"82 com um golo perto do fim. A Europa estava cheia de grandes seleções.
Quando falhámos os apuramentos todos nos anos 90 já custou mais. Então, a nova mentalidade competitiva-ganhadora do jogador português já se estava a solidificar. Recordo o livre em que na Checoslováquia a bola entrou sem o Silvino sem mexer e tirou-nos do Mundial de 1990, o jogo impossível de ganhar na Itália para sermos apurados para 1994 (com o Rui Barros e o Futre a correrem como loucos na frente) até 1998 em que sofremos com a expulsão de Rui Costa na Alemanha (em mais uma tentativa épica de apuramento no local mais difícil).
O desmembramento da correlação de forças do futebol europeu do séc. XX e o nascer do novo jogador português mentalmente forte e com técnica-atlética mudaria o cenário. Quem, porém, não passou pelas duas fases nunca perceberá verdadeiramente o que é sentir/sofrer pela seleção portuguesa.