VELUDO AZUL - Uma opinião de Miguel Guedes.
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A suspeita, quando bem trabalhada, pode ser mortífera. Quando chega em coro afinado, serpenteante, laborada a remoques e requintes de malvadez, repleta daquele travo azedo de quem não se resolveu bem com a vida, é risível e diz muito mais sobre quem a levanta do que sobre o seu suposto alvo.
A competência trocou as voltas às serpentes. Sérgio Conceição teve sucesso. Muito sucesso.
Não são de hoje os ataques que a família de Sérgio Conceição tem sido alvo. No momento em que assumiu o comando do FC Porto, muitos esperavam que o treinador durasse um par de meses. Pavio curto, asseguravam. Seria impossível de controlar e, mais cedo do que tarde, um incêndio deflagraria, obrigando-o a sair do clube pela porta da fúria. Acontece que a competência trocou as voltas às serpentes. Sérgio Conceição teve sucesso. Muito sucesso. Foi campeão logo à chegada, sem reforços. Voltou a ser campeão. Na Liga dos Campeões foi sempre competitivo, arguto e ambicioso. É agora, na história do FC Porto, o treinador que mais tempo está no comando da equipa. É um alvo a abater e, esgotadas outras possibilidades, julgam que o conseguirão derrubar pelo ataque ao carácter.
Sérgio Conceição não é, como nenhum de nós, isento de erros.
Pode gostar-se mais ou menos do género. Há quem admire treinadores frios, pináculos da sensatez, homens-estátua plantados em relva que parecem passar ao lado do jogo, senhores capazes de beber chá no fim do jogo caso ele comece às 3. Há quem prefira treinadores de sangue quente, vulcões no domínio público, sofredores incorrigíveis no banco, capazes de motivar e desancar seres vivos com bola em momentos sucessivos e alternados. Sérgio Conceição não é, como nenhum de nós, isento de erros.
Como treinador, deve saber ouvir e conviver - como todos - com a crítica e com a opinião livre sobre o seu trabalho. Mas o ataque reiterado que "cartilham" ao seu carácter e à sua família, é sujo, ignóbil e insuportável. Até porque não tenho memória de que o nome da família de alguém tenha sido trazida a terreiro, alguma vez sequer, para sustentar ataques pessoais. O talento, a nobreza, os princípios de honra e a humanidade de quem se expõe como é, características extensíveis a uma família extraordinária, estarão sempre sete palmos acima da terra onde as cascavéis enterram os corpos.
Um artista não cala o seu jogo
A consistência é uma das maiores virtudes de um jogador profissional de alto rendimento. Sobretudo dos "artistas" que fazem a diferença. Nem sempre se pode exigir a estes jogadores que façam o "joga da sua vida", mas nunca se pode permitir que passem "ao lado" do jogo. No código genético destes jogadores tem que estar inscrito que não se podem demitir de tentar. Sempre. Mesmo que falhem, uma e outra vez, sucessiva e redondamente, não podem calar o seu jogo. A determinada altura, a solução pode passar por um período de banco ou de bancada, ver de fora para ver para dentro. Mas a solução nunca estará em encontrarem esconderijos ou subterfúgios durante largos minutos ou de se conformarem com a sombra que o jogo lhes oferece. No fundo, conformarem-se com a sombra do grande jogador que poderão ser. Cada vez mais, mesmo para os artistas, "bastante mais vezes" é bem melhor do que "muitíssimo de quando em vez". Também hoje, no Funchal.