PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Não vale a pena procurar noutro lado. O único que, verdadeiramente, ganha um jogo, neste desporto feito historicamente de desequilíbrios disfuncionais, é o talento. Como ele, através de que forma, vai surgir, é que nunca se sabe.
Abandonemos dogmas. Só para ver o que acontece. Como analista científico ou simples adepto mendigo, nunca me escondo atrás de jogadores que resolvem jogos ou dum resultado que pode nascer do imponderável. Vibro mais com uma grande exibição duma equipa do que com um jogador que partiu tudo sozinho.
Sucedeu em Villarreal. Um "submarino amarelo" contrariou, pelo talento, o coletivo (linhas juntas num 4x4x2 que encurtava o campo a defender e rapidamente se esticava na profundidade a atacar) e o individual (a temporização a meio-campo de Parejo-Lo Celso, soltando Gerard Moreno na frente) de todo o poder gigante do Bayern.
Especialista neste tipo de jogos de contra-estratégia, Unay Emery montou o jogo taticamente perfeito. O mais certo, agora, é, em Munique, sofrer com pelo menos 26 remates dos alemães (com 6 oportunidades de golo flagrantes). Sobreviver a isso talvez tenha de levar mais além toda esta análise ao jogo até ao sobrenatural e apelar ao contra-destino. Nada que intimide este "pueblo de Champions", Villarreal, terra mítica com pouco mais de 50 mil habitantes.
2 - Se querem encontrar os mais fortes na La Liga, olhem, claro, para Real, Barça e At. Madrid, mas se buscam uma equipa que divirta e dê vontade de voltar a ver jogar, procurem um jogo do Bétis. É outra coisa. Orientada por um dos últimos românticos do "fútbol", Pellegrini, é um onze que quer jogar sempre virado para a baliza adversária com jogadores que seduzem.
Na criatividade de assumir o último lance (o que obriga ao último passe ou à ultima finta um-para-um que o coloca na cara do guarda-redes) Fékir é um jogador de "outro tempo", daqueles que, como dizia Kopa, "o jogo é simples, um bom driblador e tudo muda!".
Perto dele, Canales, que muitos apontaram ao máximo no início da carreira. Mesmo sem morar nessa constelação, tem o perfume dos que fazem da técnica tudo o que faz a força do seu jogo. Dirão que se tivesse a obrigação de (como, diga-se, toda equipa do Bétis, no geral) de estar no topo da tabela e ganhar sempre, não jogaria com esta despreocupação que lhe permite arriscar fintas ou jogadas mais adornadas e, às vezes, falhar e deixar a equipa desprotegida defensivamente atrás. Será verdade. Mas quando a equipa consegue fazer mesmo o que quer, nenhuma outra me seduz tanto.
E, atenção, nela também cabe a montanha muscular de William Carvalho. Em Espanha, dizem que é o corpo dum jogador de basquetebol metido no de um futebolista. Admito o paralelo morfológico. Mas quando é preciso meter ordem desde trás com a bola, que até parece mais pequena quando a domina, a equipa move-se com ritmo de parar, escutar, olhar e... passar.
3 - No início, porém, a equipa que começou por divertir mais foi a Real Sociedad. A equipa tornou-se num projeto de autor de Imanol Alguacil que fugiu ao estilo basco e meteu um jogo mais apoiado na equipa. Num 4x3x3 de matriz tradicional da ocupação dos espaços, fez variar a equipa a partir da dinâmica de Oyarzabal, um jogador que tem traços de extremo à moda antiga por como gosta de correr pelos flancos, mas que sabe meter-se bem nas diagonais e surgir desequilibrando num espaço onde existe um n.º 9 tradicional, o norueguês Sorloth, ou um esguio tecnicista sueco, Isak.
Só a intenção de querer resgatar um jogador com o perfume de toque como David Silva (36 anos, vindo do City) diz tudo sobre as intenções de Alguacil. Já não é possível Silva manter o mesmo rendimento jogo após jogo mas a filosofia (com qualidade) que, quando entra, mete no jogo, inspira a equipa que muitas vezes aposta em Rafinha numa posição adiantada quase como organizador.
Trocar a bola com tanta posse mas sem golo pode, no fim, desesperar os adeptos, mas quando isso sucede com equipas como estas com convicções firmes sobre a qualidade do seu futebol que querem praticar, acho que (independente do resultado) ninguém como elas coloca as coisas mais importantes em termos de conceção de jogo no seu devido lugar.
MODELOS
Como ver o "Ath. Bilbao ganês" e o duplo Sevilha?
O Ath. Bilbao continua a ser uma equipa de inspiração de raça basca mas as ultimas épocas têm adornado de mais passe apoiado o seu futebol. Marcelino é dos treinadores espanhóis que mais tende a conciliar as duas tendências. Num onze que continua a ter o estado de ânimo tanto de pura luta como tecnicista de Muniain, a atração continua em Inaki Williams, basco de raiz ganesa, que se mete a nº 9 em largura ou profundidade. Tanto surge pela ala como entre os centrais. Aos 27 anos está no "timing" de saltar para níveis superiores e, assim, até pode abrir mais espaço para, seguindo a dinastia, o irmão Nico Williams, 19 anos, se fixar mais na primeira equipa. É mais extremo na raiz mas reproduz os mesmo traços de jogo de Inaki. Ambos formam, quando jogam juntos, a dupla atacante mais exótica e sedutora da história do futebol basco (com raízes africanas).
O Sevilha de Lopetegui merece uma análise mais profunda. A equipa estava mais estabilizada antes das movidas do mercado
de inverno (metendo Martial e Corona). Quis dar passos em frente no jogo atacante mas perdeu a coesão de posse que tinha.
Os jogos com o West Ham na Liga Europa foram o melhor exemplo disso frente a um adversário que aumentou o ritmo
de jogo e que para ser contrariado era necessário não tentar acompanhá-lo nessa velocidade mas sim meter outra,
a da bola, que o confundisse. Não foi possível.
Outro Sarabia
Na primeira metade dos anos 80, quando as equipas bascas ganharam quatro ligas, existiu um jogador que, por entre bolas longas e luta, mandava nos jogos pela técnica e estilo dócil de tratar a bola até na lama revolta. Era o esguio Manu Sarabia. Um contra-estilo à fúria que me deslumbrava (comprou guerra com Clemente devoto da raça) até brilhar na seleção do Euro"84 onde furou o destino do banco, entrou em campo e mostrou ao "balompié hispânico" como se jogava verdadeiramente bem! Craque intemporal!