PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 O Ajax é o clube ideal em todo o mundo para um jogador crescer. Pode a nova geração-milénio não ter a mesma perceção existencialista da vida como a "beat generation" dos anos 70, e até a ideologia de aposta no seu berço já ceder vezes de mais a estrangeiros experientes, que a sensibilidade de formação neerlandesa continua à frente no triângulo técnica, tática e mente.
"[Francisco Conceição] Não tem nada que ver com as vendas de Vitinha e Fábio Vieira. Isso foram negócios duros, obrigatórios fazer. Este não"
Nesse sentido, a opção de Francisco Conceição entrar nesse mundo, quando sabe estar em plena maturação da formação, é a melhor.
Podia-o fazer no FC Porto? No contexto emocional que o envolve na relação treinador-pai e a forma como (é visível) joga com isso no coração em cada jogada (e festejo que arrepia), acho que não era o melhor "habitat". Por vezes, o crescimento necessita (mantendo a emoção) de frieza, de concentração racional. Futebol e vida.
Não tenho dúvidas que tudo isto passou pela sua cabeça e do treinador-pai. Não será uma separação fácil mas, desportivamente, sentem-na como um investimento no futuro.
2 Outra coisa é a questão financeira. Não sei o que se passou para a renovação não ter sucedido ao longo de mais dum ano. O seu talento/potencial era tão evidente (como seria da possível cobiça externa) que ler os valores envolvidos (atuais e futuros, na decisão e transferência) torna todo o processo disfuncional.
Não tem nada que ver com as vendas de Vitinha e Fábio Vieira. Isso foram negócios duros, obrigatórios fazer. Este não. É outra coisa. É a antítese de como o FC Porto tem de abrigar os seus talentos da formação para lhes tirar rendimento desportivo e financeiro no máximo que puder. O mesmo funciona para os outros grandes (e até para o Braga) do nosso futebol.
Cada caso tem contornos específicos. Não existem saídas do ninho iguais, mas uma coisa é deixá-lo voar quando é o momento certo, outra é atirá-lo do galho abaixo por não ter reparado que ele estava na ponta e podia cair.
3 Num prisma de estilo, é curioso notar como, apesar da prioritária devoção pela velocidade física, os jogadores portistas que, nestes anos de Conceição, mais cativam a Europa, são os de outro recorte tipológico, mais leves e de bolinha no pé. Desde Vitinha, Fábio Vieira até Chico Conceição, todos podem ter engrossado competitivamente no jogo (sem e com bola), mas todos têm mais o verdadeiro perfume tecnicista (até "roda baixa) que faz a imagem, e ainda o prestigio estilístico, do nosso futebol no exterior. Após ver como os físicos Danilo (nº 6, trinco metido a central ) e Herrera (corre-caminhos a atravessar o campo em posse) tiveram dificuldades nesse salto (PSG e At. Madrid), será quase como um teste de estilo ver a afirmação, noutros princípios, daqueles exemplares tipicamente "made in Portugal".
A revolução busca o natural
O duplo pivô parece inegociável para Roger Schmidt, mas o jogo com o Fulham revelou como o 4x2x3x1 com um "10" pode alternar com o 4x4x2 com um segundo-avançado a romper de trás (a dinâmica-Rafa). Nesse caso, não surge mais um extremo nem o "elemento 10" desaparece do onze, mas passa a descair sobre uma faixa.
Foi o que sucedeu com João Mário, sobre a meia-esquerda, puxando jogo para dentro (o ala é o lateral a subir, Grimaldo). Desta forma, a revolução da intensidade e pressão alta resgata uma das nuances táticas mais vistas nas últimas épocas para a utilização de João Mário (desde Jesus no Sporting até à Seleção) que é coloca-lo como falso-ala, para, em posse, ser um organizador associando-se como terceiro médio da faixa para o meio.
Podem aumentar-lhe a obrigação de pressionar mais rápido a saída de bola adversária (o que irá desgastá-lo de mais para o momento em que faz mesmo a diferença com a bola), mas a raiz do pensamento tático da equipa resgata as bases do 4x4x2 assimétrico que, mais do que revolucionar, procura reinventar em continuidade.
Aos poucos, Schmidt vai conhecendo os jogadores e onde a suas ideias podem encaixar. Nesse processo, é inevitável, mais do que revolucionar, ir ao encontro do que já foi estruturalmente feito.
Quaresma: últimas palavras
Leio entrevista com Quaresma e sinto que é de um miúdo que saiu da formação e quer é jogar. A paixão que revela pelo o jogo é igual. Mas não, já tem 38 anos. Reconhece que "podia ter dado mais e escolhido melhor certos clubes". Nada disso, porém, o faz ficar desiludido nesta fase em que é normal escurecer e parar. Faz bem em querer continuar (respeitar a paixão). Importante é ter noção que essas últimas palavras não serão menos relevantes, mas sim, por isso mesmo, as mais importantes. Como coroa duma carreira.
Pré-época: o dilema
O processo de construção de uma equipa tem de respeitar diferentes etapas em face da ideia de jogo que cada treinador tem. Desenvolver este processo sem ter os elementos (jogadores) necessários, com o mercado aberto (alguns presentes que sabem ir sair e os indispensáveis que nunca mais chegam) é a antítese das condições em que tal devia ser feito. É neste momento que se erguem as fundações táticas (grupo e princípios de jogo) que irão sustentar a equipa ao longo de muitos meses. Todas as épocas esta situação se repete. Os interesses do futebol-negócio falam mais alto do que o desportivo para que esta situação permaneça. Não faz sentido e pode comprometer uma época toda.
Israel: em português
O primeiro título português da época com um central naturalizado israelita. Miguel Vítor não conseguiu subir na órbita de clube grande e seleção em Portugal, e encontrou em Israel uma segunda vida futebolística a partir do Hapoel Beer Sheva (onde venceu agora a Supertaça, com André Martins e Helder Lopes). Aos 33 anos, atinge o auge da sua carreira (clube e seleção). É um caso trota-mundos que passa ao lado do mediatismo, mas que devia fazer pensar um pouco o lado mais profundo do nosso futebol.