PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 A relação com o jogo através da relação com a bola (que é quem mais deve suar em campo) e o passe (que implica a mais correta leitura dos espaços). Sou dos que fala do jogo como expressão de uma ideia coletiva, mas é impossível fugir dessa aplicação prática sem olhar as individualidades e como umas entendem isso melhor do que outras.
O melhor Benfica (independentemente do sistema) foi o que teve o melhor João Mário e seu controlo de ritmos a n.º 8 unindo meio-campo com outros sectores. Sem ele, em nome de outros conceitos de jogo, surgiu a dimensão física de Meité ou os impulsos anárquicos de Taarabt.
O melhor FC Porto emergiu quando Vitinha pegou nas rédeas táticas com técnica de visão e passe do jogo desde a posição n.º 8, iluminando todo o meio-campo e ligação entre linhas desde trás. Ao juntar, no mesmo conceito, Fábio Vieira e Otávio (que, em Alvalade, fez parte da revolta tática na segunda parte porque, como revelou Conceição, a equipa precisava de ter mais bola e isso Otávio iria dar-lhe em vez do físico de segunda bola de Grujic), o jogo portista passou a relacionar-se na perfeição em triângulos de passes e apoios.
2 O Sporting também tem um jogador destes mas nunca sabe bem o que fazer com ele, Daniel Bragança. Só é titular quando algum dos médios do meio-campo a dois, ditos mais "físicos e intensos", Palhinha/Ugarte ou Matheus Nunes, não podem jogar ou mudam de posição.
Contra o Marítimo, entrou no onze porque, de forma inédita, a estrutura mudou para 5x3x2 e contemplou um terceiro médio (sentiu, porém, a falta de rotinas do coletivo a jogar nesse sistema).
Contra o FC Porto (no regresso ao 3x4x3), entrou já com a casa taticamente a arder para devolver posse à equipa. Foi tarde. No fim, Amorim reconheceu (naturalmente) que o deveria ter metido mais cedo. Durante todo o jogo, a equipa preferira a intensidade tática-física que Matheus Nunes dá mas, em face de sentir a necessidade de percorrer "box to box" tanto terreno atrás e à frente, revela cada vez menos "timing" de pausa e organização.
Sou admirador do seu futebol mas se olhar para os dois últimos jogos (Marítimo e FC Porto) direi que nunca o vi correr tanto e, ao mesmo tempo, nunca o vi a jogar tão mal.
3 A juntar ao melhor futebol associativo do FC Porto, juntou-se também, no momento da reviravolta tática no jogo (antes e além do resultado), o melhor Pepê da época. Combinou desde a meia-direita e lendo bem tempos de entrada para jogar mais por dentro, completou a conexão com a dupla Vitinha-Otávio, dona da bola.
O resto é a complexidade tornada simples de tudo o que Taremi faz. Da perceção sempre certa do espaço a ocupar até um calcanhar que é um passe de golo de morte.
Chamo a tudo isto a intensidade da inteligência. A outra só cansa.
O jogo dos bancos
O golo de Sarabia é outra história. Ali é só o génio do jogador (para o arco perfeito na bola). Tal como também é ao acabar a defesa de Marchesín a cabeceamento do Coates. Ali é só o instinto concentrado do guarda-redes (para voo rasante que fez rever Banks).
Antes existiu o processo defensivo portista pensado em função do adversário. O baixar de Uribe para o meio dos centrais e, assim, dar permissão posicional à subida dos laterais para apanhar os... laterais do Sporting (que são alas) mais à frente, em vez de os esperar atrás, embalados. Depois de "encaixar" (e defender) nessas coberturas, a segunda parte do plano era "desencaixar" (e atacar).
Sentir os momentos do jogo é o fator principal que, no seu decurso, separa como (e com que eficácia) um treinador "joga". Conceição (e a equipa, antes) reagiu rápido ao golo sofrido. O Sporting só esteve nove minutos em vantagem. É verdade que foi uma jogada isolada (penálti sem sentido) que criou as condições ideais para mudar o curso do jogo todo mas, nessa fase, já se pressentia a diferença tático-sensorial nos dois bancos que culminaria com a entrada de Slimani e o jogo direto ansioso (excesso de cruzamentos). Antes, já se perdera a agitação veloz de Nuno Santos pela ainda timidez inadaptada de Edwards. Falta a segunda mão.