PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 A única substituição feita num jogo que, logo na primeira parte, dizia ir precisar de muito treinador para... jogar com a equipa, diz muito do atual momento das soluções do futebol benfiquista.
David Neres é, no atual quadro do modelo de jogo, o jogador que, por si só, personifica a alternativa a um plano de jogo que desenha o quadrado de quatro médios a toda extensão do corredor interior (o duplo pivô mais os falsos alas por dentro) e pede aos laterais que sejam os alas responsáveis por dar profundidade ofensiva pelos flancos (os corredor exteriores).
A lesão de Gonçalo Guedes, que conseguia unir as duas opções, tornou mais evidente a importância de Neres. A forma como saiu mostra como também sente aquele estado tático de coisas. A equipa, sem os laterais a voar, fica nestes grandes jogos feita num quadrado no centro. Com um extremo, tudo muda. Ainda por cima, um diferenciador de um-para-um a quebrar para dentro e remate.
2 Quando olha para o banco, Schmidt não tem muitas mais soluções para mexer verdadeiramente com a dinâmica da equipa (os reforços nórdicos permanecem "objetos misteriosos" e Musa traduz uma troca direta de ponta-de-lança).
Por isso, mais do que acusar-se Schmidt de mexer tarde (ou não mexer) na equipa, o que salta à vista é a ausência de verdadeiras alternativas para o fazer. A cena de Guedes e Musa quase a entrarem (já em período de descontos) e depois voltarem para o banco, mostra essencialmente esse vazio que naquele momento dera um nó na cabeça de Schmidt. Ele queria mexer mas não via como.
O problema, no caso do treinador, é, porém, além-jogadores e deve fixar-se em procurar alternativas de princípios de jogo.
O nosso campeonato assimétrico (tal a diferença ente os quatro primeiros e todo o resto) convida a um falso convencimento de poder que o embate com adversários de verdade expõe. O Benfica já sentira isso noutros jogos mas estes com FC Porto e Inter foram duros confrontos com a realidade.
3 É nesse contexto que Neres cresce de importância. Tenho dificuldade em entender a hesitação (receio de defender pior ou deixar de ter alternativas no banco?) em o colocar no onze inicial conciliando com o nº9 e o segundo avançado (Ramos e Rafa). Sairia um dos falsos alas que poderia ir para a posição "8" (penso em Aursnes em jogos onde o "lado light" de Chiquinho fica mais evidente) e a equipa ganharia outra largura e amplitude de ideias/movimentos ofensivos nos últimos 30 metros.
Uma boa ideia de jogo resiste até que um adversário chegue dentro do campo e a roube para si (para a utilizar ou fechar num local onde o anterior dono não pode chegar). Demolidor em piloto automático nos jogos que... pode jogar, é o que tem sucedido ao Benfica de Schmidt nestes grandes jogos.
Quando o treinador é o jogador
Não é preciso dizer-lhe nada. Basta dizer a posição em que vai jogar que ele já sabe o que tem a fazer. Ouvir um treinador falar assim de um jogador não é normal. Mais ainda se é Guardiola, porque coloca uma exigência posicional na forma de jogar das suas equipas (e cada posição, com nuances de movimentação diferentes do comum das equipas mortais). O jogador sábio é Bernardo Silva, de médio centro, ala a lateral-esquerdo.
Recordo quando por cá o fuzilaram por, na Seleção, não (saber) defender num jogo com a Alemanha. Inacreditável num caso em que o problema era coletivo do plano de jogo. Vê-lo na universidade da (boa) tática que liberta jogadores (entenda-se potencia as suas qualidades) a dar lições jogo a jogo, posição por posição, é hoje a melhor forma de entender o que é verdadeiramente jogar bem futebol (além de meros remates ou fintas). Neste jogo em que Guardiola o colocou acima da sua ideia de jogo como treinador, ele até, talvez para levar a ironia ao extremo, marcaria um golo de cabeça. E o adversário era "só" o Bayern Munique e seus monstros físicos defensivos a quem Tuchel pedia para saírem a jogar quando a maioria deles (penso nessa condenação antecipada de Upamecano) não tinham técnica para essa... tática.