VISTO DO SOFÁ - Opinião de Álvaro Magalhães
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Há dias, Jake Daniels, de 17 anos, que joga no Blackpool, em Inglaterra, anunciou ao mundo que era homossexual. Choveram aplausos e até o príncipe William o felicitou, dizendo já não haver lugar para barreiras dessas na nossa sociedade. E é mesmo assim, como disse o príncipe. O problema é: neste particular aspecto, o futebol ainda não acertou o passo com a sociedade.
A masculinidade de hoje é múltipla, subtil, fluída, muito ligada ao feminino. E a homossexualidade deixou de ser motivo de segregação. Mas o futebol, alheio a isso, continua a reproduzir as normas rígidas da masculinidade tradicional.
«Há pelo menos dois jogadores por clube que são gays, mas no mundo do futebol, se revelas isso, acabou», disse o francês Patrice Evra no lançamento da sua biografia, onde também conta: «Quando eu estava em Inglaterra, o clube trouxe uma pessoa para falar com a equipa sobre homossexualidade. Alguns dos meus colegas disseram: "É contra a minha religião, se há algum homossexual neste balneário tem que sair"».
O futebol nasceu e cresceu como uma actividade marcadamente masculina, pois visava tornar os rapazes másculos, evitando a sua feminização. E, embora já não tenha a mesma influência na educação, continua a ser um baluarte dessa masculinidade viril. E se nasceu para a afirmar, teme talvez não sobreviver sem ela, ou transformar-se noutra coisa, deixar de ser o que é.
Mais bem encaminhado está o futebol feminino, que continua a crescer e a ganhar músculo. Talvez por ser um outro modo de expressão da virilidade do futebol dos homens. Diz-se feminino por ser jogado por mulheres, não por ser mesmo feminino. Há pouco, bateu-se um recorde, com 14.221 espectadores num Benfica-Sporting, na Luz. E houve aqueles 95.000 que estiveram nas bancadas de Camp Nou, num Barcelona-Real Madrid, da Champions, embora, neste caso, se trate mais de um fenómeno local, que não serve como exemplo global.
Com estes números na mão, cantou-se o hino do triunfo do futebol feminino, o que foi um exagero. Há, sim, um avanço lento, esforçado, e que nem sequer é proporcional aos apoios que recebe, vindos de todos os lados, a começar pela FIFA e pela UEFA, que vêem nele outra oportunidade de negócio. E o negócio, como se sabe, não olha a nada, muito menos a géneros.
Mais depressa tem corrido a invasão que as mulheres fizeram aos recintos onde se joga e vive o futebol, até aos seus órgãos decisórios e à comunicação social. Em algum momento decidiram que o futebol era demasiado bom para ser só dos rapazes e dos homens. E estão por todo o lado, deixaram de ser antagonistas ou criaturas de adopção e passaram a membros de pleno direito.
Agora é que são elas, sim, mas os homossexuais ainda terão de esperar a sua vez. Já lá vai um mês e onde estão os que seguiram o corajoso exemplo do jovem Jake Daniels? Não estão. O que não deve tardar são algumas complicações para o futuro dele, como já aconteceu com outros. É mesmo muito provável que, por esta altura, já tenha percebido que se precipitou e, para usar linguagem futebolística, fez um auto-golo.