Mbemba: naquele momento, até a bola terá sentido que devia fazer alguma coisa
PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Todos os jogos, vemos jogadores a jogar futebol, mas, por vezes, sinto que, num irónico sentido inverso, vejo mais é o futebol a jogar com os jogadores.
Penso nisso vendo o trajeto de Mbemba no FC Porto (tanto podia ser nas quatro épocas que leva no Dragão, de suplente quase anónimo a titular, como apenas no último jogo, em que após ver bater-lhe a bola que dava o empate, logo a seguir foi à frente e num remate difícil e de primeira, repôs a vantagem). Acho mesmo que, naquele momento, até a bola (como ser caprichoso) terá sentido que devia fazer alguma coisa.
As grandes equipas têm sempre, ao lado dos craques destacados do onze, estas espécies de jogadores anti-heróis que parecem ter o destino da exibição entregue a uma moeda ao ar. Nada mais injusto para quem tem de frequentar 90 minutos como estivesse dentro dum simulador de sucesso ou fracasso quando todo o estádio só repara que ele verdadeiramente existe na equipa (e em campo) na altura em que surge num lance dito importante (ou decisivo).
Mbemba nunca dá sensação de estar perturbado com isso. Acho que, dentro dele, tem sempre resolvida a equação da primeira frase deste texto. Nunca deixa que o jogo jogue com ele. Neste caso, vemos mesmo o jogador jogando com o futebol. Mesmo que, confesso, me pareça tantas vezes o contrário.
2 - É difícil perceber o que um jogador como Sarabia, craque da seleção espanhola e com lugar para as melhores ligas, veio buscar a Portugal. Terá sido uma "opção de reset", isto é, repor a calibragem certa de todo o valor do seu futebol e, agora, voltar a arrancar num nível competitivo mais alto. É invulgar ver um jogador, nesse contexto, jogar como ele o faz sem nunca se esconder do jogo. Pelo contrário, surge ainda mais quando tudo se complica e nunca adormece quando tudo se resolve.
Venceu um Gil que tentou resgatar o melhor do seu futebol da época mas a verdade é que o melhor jogo que já demonstrou fugiu enigmaticamente nesta parte final da época.
Ficou a um ponto do quarto lugar após ganhar em Braga mas depois disso nunca mais ganhou e em seis jornadas a distância passou para 14 pontos! Não é normal. Vejo os seus melhores jogadores, do meio-campo para a frente, em sub-rendimento na maioria do tempo destes jogos. Os princípios de jogo (e intenções de como jogar) continuam presentes mas a fluidez e lucidez como fazia esse jogar de passe e desmarcações nunca mais atingiu o mesmo nível.
Não sei se foi sentir a pressão ou desgaste físico-mental. Estarei, admito, a ser injusto ou demasiado exigente (o quinto lugar é uma conquista classificativa) mas, no futebol como na vida, todos ficamos responsáveis por aqueles que cativamos. É o que sinto em relação a este Gil neste momento.
A diferença da técnica
É das equipas que mais mudou na expressão de estilo com o mercado de inverno. Manteve, como referência, o 4x3x3, mas alterando as características dos médios adquiriu o poder da técnica num setor que antes não tinha. Esta evolução do Arouca nota-se, claro, quando a bola está com os novos protagonistas: David Simão e o segundo avançado que recua entre linhas Alan Ruiz (fazendo então 4x2x3x1) e, juntos, fazem a ligação com ataque. Entretanto, Leandro Silva passou a ser mais pivô de saída.
Onde antes tinha a total entrega mas de técnica/passe qualitativamente curto de Eboué, Marco Soares ou Pedro Moreira, passou a ter construção com linhas de passe bem desenhadas (veja-se golo ao Portimonense, conexão Simão-Ruiz-Simão). Depois, quando (em face da quebra física destes dois elementos com menor ritmo) Evangelista quer mexer mantendo o estilo, tem Pité para, em qualquer linha do setor, manter o mesmo traço.
Ainda existem dois jogos para lutar pela salvação, mas seja que objetivo for, está (quase) sempre na superioridade técnica a melhor forma de uma equipa ser mais capaz de ganhar. Outra coisa será, independentemente do resultado final, levar a combatividade do jogo para o choque em que a bola em vez do instrumento para ganhar é vista como a ameaça para perder.
MODELOS
Boavista: Seba Petit
O ultimo ato tático de sucesso de Petit no Boavista foi, perdido Sauer, mudar o 3x4x3 para um 5x3x2. Em vez do duplo-pivô, um triângulo a meio-campo. Uma opção que permitiu ver a qualidade construtiva de Makouta (antes preso a fechar no duplo-pivô) e mostrou o bom n.º 6 de transição e equilíbrio que é Seba Pérez. Juntando a visão com passe de Vukotic, recriou o meio-campo e passou a ter um controlo do jogo mais apoiado. Em suma: da necessidade nasceu a melhor expressão dos jogadores.
Vitória: a "flash" de Pepa
Tornou-se dos momentos mais perturbadores da época: as "flashes" de Pepa no fim dos jogos em que após exibições/resultados falhados nem consegue articular o que dizer tal o seu estado de incompreensão. Diz que a equipa treinou bem e depois é isto, que não pode voltar a repetir-se (mas repete-se) e fala na célebre atitude. Já o disse: não é por aí que se ganha consistência. Dá para colmatar lacunas pontuais (sobretudo numa casa tão emocional) mas não para fazer uma equipa capaz ao nível exigido. Para isso, só a qualidade que falta a este plantel do Vitória, no equilíbrio entre setores e em muitas posições (por mais que treinem).
Torreense: "Mateus G37"
Uma subida e uma equipa que renasce. Nuno Manta Santos manteve o traço de Faquirá mas com maior rigor defensivo. Em 4x3x3, sabe baixar o trinco para terceiro central (como fez Cícero em Alverca) ou assumir pivô a pegar com Guilherme Morais (bom a n.º 8) com Ulisses, experiente, a equilibrar, para lançar no ataque o eterno Mateus (37 anos a "falso 9") e alas perigosos, do veloz Samu, às combinações de Raposo (que toga bem por dentro) ou Alex (lesionado nos últimos jogos). O triunfo do equilíbrio.