PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Há sempre um dono da bola. No futebol de rua, pela velha tradição, ele vai embora e acaba com o jogo quando as coisas não são como ele quer.
No futebol dos grandes estádios, ele revolta-se com tudo quando as coisas não estão a correr como ele quer, pega na bola pelas chuteiras e decide o jogo para a sua equipa.
Otávio é esse moleque-adulto neste FC Porto que ganhou a Taça num daqueles jogos que de parecer, no início, tão fácil de ganhar ia-se complicando a certo ponto. O dono da bola colocou então ordem em campo e as coisas resolveram-se rapidamente. Todos lhe reconheceram esse estatuto. De rua, baldio de terra e estádio, na relva bem tratada, claro.
2 Mas, o fator de decisão nas jogadas que resolveram dentro do jogo esteve na ação de outro elemento. Também era previsível que tivesse impacto no jogo porque, como escrevi por este espaço de futebol em estado puro, ele tinha coisas que mais ninguém tinha e essas coisas até eram das mais antigas que o futebol pode ter, ao ponto de quase fazer dele um resistente de uma espécie desaparecida: Galeno, o extremo de velocidade que salta defesas e cruza.
A dúvida era só se ia definir bem porque antes tinha vezes demais falhado nesse momento final (de passe ou remate) no timing certo. Senti esse como o ponto onde podia estar a decisão do jogo, "conseguir isso num jogo destes, poderá ser decisivo". No fundo, ele nunca tinha deixado de ser o que era, apena precisava "de o saber mostrar mais vezes em campo". E assim foi. Com duas bolas bem metidas, a rasgar "por fora", nas costas da defesa bracarense, Galeno foi buscar o abismo da profundidade onde caem as estruturas defensivas desequilibradas e deu dois "passes de morte" (as assistências verdadeiras são estas) para os dois golos do jogo.
3 Não ouso, quando refiro as diferenças do Galeno do Braga e do Galeno do Porto, querer que ele seja um jogador regular. Nenhum extremo o é. Diria, até, se o fosse, tal seria uma contradição com o histórico traço imprevisível do extremo como elemento meio louco numa equipa de futebol. O clássico jogador distraído que pensa em muitas coisas ao mesmo tempo, que viaja na cabeça quando a bola está longe. Um exemplar que se apaga e acende no jogo mas que quando fica aceso no tempo, velocidade e execução certos decide.
Sei como Conceição quer que todos jogadores, em todas posições, também tenham a responsabilidade de "soldados de equipa" que ajudam em tudo (e este Galeno também recua muito a defender) mas os melhores extremos sempre foram assim.
O Galeno puro segue a "genialidade do imprevisível". No que faz e, sobretudo, na alternância em que tanto o faz como falha nessa ação revulsiva. Quando acerta, resolve. Ser o "dono da bola", isso, já é outra coisa.
Uribe e Ugarte, os "corações perdidos"
São os primeiros sinais de danos do mercado que expõe os clubes portugueses a perderem os melhores jogadores (com ou sem proveito financeiro). Dois dos grandes do nosso futebol vão perder os seus pilares, os médios que tomam conta da equipa e a guardam dos piores inimigos. Uribe e Ugarte saem de FC Porto e Sporting. Ambos são, cada qual no seu estilo, médios de longo curso no jogo, com resistência tática e multifunções de pressão-recuperação-saída. São muitas coisas juntas. Confundem a posição "6" e "8" no sentido de alternarem nelas com critério.
Jogadores destes (os tais a que chamam "intensos") estão de tal forma permanentemente em cima da bola (para a recuperar ou assumir) e, ao mesmo tempo, do jogo (para o agarrar nos seus diferentes momentos, sobretudo de transição, defensiva e ofensiva) que fazem todos os outros jogar melhor. Por isso, estas são os tipos de saídas mais sensíveis e perigosas para a reconstrução rápida de qualquer equipa.
Recordem o que provocaram na época passada (em posições de influência semelhante) as saídas de Vitinha e Matheus Nunes nas mesmas equipas. Eles são donos do espaço de jogo que é o coração do onze. Abrir-lhe esse espaço vital e pedir novo transplante é taticamente o mais complexo que existe para fazer numa equipa.