VISTO DO SOFÁ >> Este processo, que também pode ser lido como um manual da arte mafiosa de jogar por fora - o que melhor caracteriza o vieirismo -, colocará diante de nós uma montanha de ilícitos
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Quando o Benfica perdeu em Braga e saiu da Taça, os responsáveis do clube, em comunicado, garantiram: «O Benfica não permitirá que se desrespeite a sua história e a sua grandeza». Há um ano, quando a equipa perdeu em Barcelos, Rui Costa clamou: «Exijo que o Benfica seja respeitado». E, há pouco, quando o CD da Liga instaurou um processo ao clube, na sequência do mega-processo em curso, lá veio a nota oficial, que falava de «um recorrente desrespeito pelo Benfica». Uma derrota amarga, um penálti duvidoso por marcar, um processo disciplinar, tudo são faltas de respeito pela história e pela grandeza do clube.
É então isso que eles exigem, acatamento, submissão? Que não lhes estraguem o dia com coisas desagradáveis? Se é isso, não está a correr bem, pois todos os dias se fala do Benfica por maus motivos. Corrupção, fraude fiscal, aliciamento, falsificação, suborno, sei lá que mais
Vale a pena ir ao dicionário para saber onde querem eles chegar com tanta exigência de respeito. Ora, respeitar, diz o Dicionário Priberam, consiste em honrar, venerar, implica deferência, acatamento, obediência, submissão. E, ainda segundo o dicionário, convoca um sentimento que nos impede de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém. É então isso que eles exigem, acatamento, submissão? Que não lhes estraguem o dia com coisas desagradáveis? Se é isso, não está a correr bem, pois todos os dias se fala do Benfica por maus motivos. Corrupção, fraude fiscal, aliciamento, falsificação, suborno, sei lá que mais. E de tudo isso se fez a grandeza do Benfica de Luís Filipe Vieira. Para Rui Costa, que foi seu escudeiro fiel, trata-se apenas de «ruído externo», pois até a Justiça se deve apagar diante da grandeza do clube.
Esse processo, que também pode ser lido como um manual da arte mafiosa de jogar por fora - o que melhor caracteriza o vieirismo -, colocará diante de nós uma montanha de ilícitos. Como há, graças a Rui Pinto, muita prova feita, esse é que será o mega-problema. O que fazer a tanta evidência incriminatória? Enviar o clube para a 2ª. divisão, de acordo com os regulamentos da Liga de Futebol? Esse é que seria o crime. Um campeonato que fosse sem o Benfica seria uma anomalia de repercussões incalculáveis. Em última análise, até a economia do país se ressentiria, tal como o índice médio de felicidade. E, claro, seria um acto de auto-flagelação à escala nacional ou não estivéssemos num país onde, como se podia ler no New York Times, em 2020, «os juízes, procuradores e até o primeiro-ministro são do Benfica". Aliás, nesse mesmo artigo, o clube era classificado como «um estado soberano». E não é? Podemos, pois, prever, sem risco, que a tal montanha parirá um rato tão pequenino que mal o veremos. Um prenúncio disso foi o resultado do processo E-Toupeira, em que Paulo Gonçalves foi condenado com pena suspensa, ou seja, com pena nenhuma; e não houve consequências para o clube, como se Gonçalves tivesse feito 400 consultas indevidas a processos do Benfica, fora o resto, por iniciativa e interesse pessoal.
Neste caso, houve o cuidado de se arranjar um bode expiatório, mas muitos outros expedientes surgirão, até à grande nulidade final. Por fim, restará, como sempre, a pergunta fatal: para quê tudo isto se acaba sempre por ganhar o respeitinho, o tal que, tratando-se do Benfica, continua a ser muito bonito?