FOLHA SECA - Uma opinião de Carlos Tê
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Sempre que um jovem da formação ascende à equipa A do FCP, tenho por norma moderar o entusiasmo.
A parte supersticiosa do adepto aconselha prudência por achar que os elogios desencadeiam um mecanismo que precipita eclipses prematuros. Alguns vencedores da Youth League agarraram oportunidades que dificilmente teriam em tempos mais abastados, e podem até ser campeões no ano da sua afirmação. Dos Diogos, o Costa pegou de estaca, mas o Queiroz e o Leite, em quem se vislumbravam Jorge Costas e Ricardos Carvalhos, ficaram para trás. Vitinha exibe a regularidade dum pêndulo, mas Fábio Vieira denota uma inconsistência proporcional ao requinte da sua técnica. Arrisca-se a ser daqueles jogadores que faz três jogos bons e arreia com a enxurrada de elogios - veja-se o relaxamento com que abordou o lance do primeiro golo do Vizela, e que contribuiu para sair, pois Conceição não dorme.
Neste patamar afirmativo está também Jamal Musiala, a quem o Bayern ofereceu um contrato de 450 mil euros mensais - o salário dum jogador de top na Premier League, mas por semana. Sair milionário da adolescência é a história de sonho que já nem Hollywood propicia aos Di Caprios desta vida, mas ser consistente em alta competição é escalar um Evereste de foco e vontade, implica força interna, disciplina, sacrifício, fazer ouvidos de mercador à cantata de elogios. Lembro-me de ouvir Vítor Pereira falar de miúdos rodeados de cortes aduladoras que dizem tudo o que eles querem ouvir. Quando ganham, são os maiores, mas quando perdem a culpa é dos outros.
O treinador entra cabisbaixo no balneário tentando perceber o que falhou, e eles já estão no Instagram a exibir a última tatuagem. Muitos tiveram tudo demasiado cedo
O treinador entra cabisbaixo no balneário tentando perceber o que falhou, e eles já estão no Instagram a exibir a última tatuagem. Muitos tiveram tudo demasiado cedo, por isso serão incapazes de comer a relva quando for preciso. Ficarão na portaria do estrelato sem perceber porque não entraram no salão, e a corte que os incensava já não está por perto, quando eram a next big thing.
No fim do Portugal-Itália do Europeu de sub-21, que os italianos perderam mas foram gigantes a jogar com dez, Rui Jorge terá dado uma palestra que fez furor na Itália da bola. "Se perdermos, que seja com a raça deles." Aqueles "eles" queriam ficar no grande livro de honra do futebol italiano, por isso deram o que não tinham. Os portugueses não têm um livro como o italiano, mas continuam a produzir fornadas de talento - que serve de pouco se for intermitente. O que afina uma cultura ganhadora é prevenção do deslumbramento. João Félix vive entre o blackout frequente e o oneroso preço de ser o prodígio cem milhões. Se Simeone não fizer dele um jogador decisivo, quem fará?
Lovren, antigo central do Liverpool, conta que Jurgen Klopp, ao ver um jovem talento chegar ao parque de estacionamento do centro de treinos, perguntou: "Isso é um Mercedes? E isso? Um Rolex? Quantos jogos fizeste na equipa principal? Zero?" No dia seguinte, o jovem trouxe um carro utilitário, sem Rolex no pulso. A pedagogia passa muito por isto. Há gestores de carreiras a mais e pedagogos a menos.