PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Gosto sempre de lembrar aquela antiga resposta dum jogador colombiano (não era um grande nome), a quem perguntaram o que tinha mudado com ele, na relação com o novo treinador, pois após fracas exibições passara a jogar muito, que disse: "Nada de especial, ele apenas deixou-me.... ser!".
Não existiam, portanto, grandes explicações táticas. A resposta, aparentemente vazia, continha, porém, o mais profundo que deve ter a relação dum treinador com um jogador. Respeitar a sua essência, o que ele é e fazer com que isso se expresse em campo. Claro que existirão sempre obrigações que cada um, em função da sua ideia coletiva de jogo, pode impor, mas isso nunca pode inverter a tal essência do jogador.
É inevitável, neste momento, não ligar esta resposta do "deixou-me ser" com o que vejo passar-se no At. Madrid, entre João Félix e Simeone, um treinador que vê o jogo como um território para "cumprir regras" enquanto Félix é, por essência um "quebra-regras".
2 Embora desde início tenha dito que aquele era o pior habitat, tático-estilístico para o talento de Félix crescer, também pensei, num primeiro momento, que esse outro conceito de jogo, incutindo-lhe obrigações pós-perda da bola, seriam ensinamentos de como participar mais no momento defensivo que, após ele só ter crescido na Luz como um miúdo ofensivo livre, lhe daria mais conhecimento sobre o jogo todo (e o faria um jogador mais completo).
Meter um Simeone na carreira, se na dose certa, pode ser positivo. Os anos, porém, passaram e mais do que esse "upgrade de defender", a relação tornou-se futebolisticamente tóxica para o talento do jogador. Joga cada vez menos e quando o faz parece sempre em revolta com o jogo para provar como tem razão. Encara mesmo as bancadas que, devotas da "igreja cholista" o insultam, e fixa-as depois de entrar e marcar como fez contra o Espanhol. Atira garrafas e sacode camisolas quando é substituído ou fica a aquecer longos, longos minutos sem entrar. Senta-se no banco em pose "blasé" olhando o vazio. É o primeiro a regressar ao balneário mal acaba o jogo. E, nesse gesto, como que vira as costas a toda esta obscuridade onde vive com revolta contida.
3 Por isto, a Seleção pode ser, nesta fase, a fuga a meio duma época que está a ser como uma viagem no "comboio fantasma". Veremos se o onze de Fernando Santos vai criar esse plano de fuga para ele (por instantes que seja). O seu futebol, como o nosso, precisa disso. Penso na essência de criatividade com bola no pé a quebrar regras que também fica, na Seleção, tantas vezes de lado em nome do conservadorismo do primado de defender bem.
No fundo, olho o mundo ao meu redor, futebol e vida, e sinto vontade de revoluções. Elas não podem ser um livro fechado na história. Nunca fizeram tanta falta. Outra vez.
O encanto da feitiçaria oficial
O futebol será a única religião que admite pagãos. O Mundial será, mesmo assim, o local de culto onde a reverência pela memória de todos que por lá passaram merece respeito como em mais nenhum local. Nessa "religião pagã" o futebol admite tudo. Desde as orações mais sentidas cerrando os olhos até aos rituais de bruxaria e crendices mais rebuscados. Vale tudo embora, no fim, nada disto ganhe jogos. Digo eu.
Todos o fazem, mesmo os que dizem desprezar essas coisas, mas, seja como for, tal ganha uma dimensão maior quando se torna oficial.
Sucede no Senegal e foi assumido por Fatma Samoura, senegalesa que é secretária-geral da FIFA, e disse que "sim, vamos usar feiticeiros para o Mané estar no Mundial. Não sei se é eficaz mas vamos usá-los de qualquer maneira. Esperamos milagres."
Para que quem me lê não pensar que também estou a ficar desesperadamente louco (e crente), não duvido que a lesão de Mané, a ser debelada, será pelos médicos mais competentes mas esta confirmação de "feitiçaria oficial" pode levar-nos para outros caminhos no entendimento do jogo.
Quero ver Mané entrar em campo e fazer um golo como se saísse duma "casa das bruxas" e depois eu poder comentar, explicando-o pelas trocas posicionais e contra-movimentos. Em que vão, no fim, acreditar?