A JOGAR FORA - Um artigo de opinião de Jaime Cancella de Abreu.
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1 Uma das clássicas formas, se não mesmo a mais clássica, de unir e estimular tropas é apontar-lhes um mobilizador inimigo externo - tanto que, quando ele não existe, inventa-se. Jorge Jesus, sem que o seu ego lhe permitisse enxergar o óbvio, foi em 2015/16 muito mais do que um oportuno inimigo externo - foi o inimigo externo perfeito que conduziu o Benfica a uma extraordinária união rumo à transcendência.
Alguém acredita que um ex-inimigo externo assim tão perfeito pode alguma vez deixar de ser um fator de desunião e fragmentação da família benfiquista? Bem se esforçou Domingos Soares de Oliveira por explicar que não faz sentido falar agora da permanência de Jorge Jesus - a discussão em torno do técnico jamais deixará de ser feita até que ele saia.
2 Por muito que se deva creditar a Jorge Jesus um apuramento considerado pouco menos que utópico após ter sido conhecido o resultado do sorteio da fase de grupos da Champions, só uma exibição e um resultado podem no imediato "amansar" os adeptos depois de o treinador encarnado ter cometido, com a traumatizante derrota caseira frente ao Sporting, um dos sete pecados capitais do benfiquismo. Terá, assim, Jorge Jesus que juntar o agradável ao agradável e vencer, com exibição imaculada, convincente e entusiasmante dos seus jogadores, no próximo dia 30 de dezembro, a partir das 21:30 horas, em pleno Estádio do Dragão.
3 Já a Rúben Amorim, depois de ter oferecido aos adeptos do seu clube a maior das sete maravilhas do (seu) mundo (uma vitória na Luz), todo o crédito lhe é concedido, incluindo até a descarada renúncia à possibilidade de faturar em pouco mais de 90 minutos a bagatela de 2,8 milhões de euros que tanta falta fazem a um clube há anos em falência técnica, que se vê aflito para garantir crédito junto de quem precisa de o solicitar. O futebol é, realmente, fértil em ironias: temos por agora um benfiquista a unir o Sporting e um sportinguista a dividir o Benfica.
4 Conheço - e quem não conhece? - mirabolantes histórias relacionadas com as inimagináveis superstições que povoam o dia a dia do nosso futebol. Ditado pela imperiosa necessidade de vencer, o recurso a bruxarias é um dos subterfúgios a que mais recorrem vários dos atores do nosso futebol. Contudo, se as bruxas alguma coisa pudessem fazer para as bolas entrarem em vez de - por azar! - baterem com estrondo na traves das balizas adversárias, os 600 mil euros investidos anualmente nesse expediente pelo FC Porto vêm provar que será porventura mais lucrativo aplicar uma quantia dessa grandeza no pagamento de salários a um goleador, mesmo que de créditos ainda não firmados.
5 Dez meses demorou o Conselho de Disciplina a dar conta do castigo de Sérgio Conceição pelas ofensas dirigidas ao árbitro Artur Soares Dias no intervalo da final da Taça de 2020, e apenas dois pelas feias escaramuças que protagonizou com Paulo Sérgio - e tanta foi a pontaria no calendário que conseguiram os senhores juízes que os 40 dias correspondentes ao somatório dos dois castigos fossem por Sérgio Conceição cumpridos no defeso, quando a banhos, provavelmente nas tépidas águas algarvias. Realmente, teve razão o treinador do FC Porto quando ontem afirmou em conferência de Imprensa que "todos temos que melhorar, inclusive algumas instâncias do futebol, para não se exporem a situações ridículas".