Imaginar que a direcção cindiu com Vieira num par de dias é da maior ingenuidade
VELUDO AZUL - Um artigo de opinião de Miguel Guedes.
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O FC Porto, clube que de tudo foi acusado, passou a acusador.
E desde que acusou e apontou o dedo à geografia dos tentáculos de poder do Benfica, temos visto como - nos principais rivais - os presidentes passam e se sucedem, caem e ficam proscritos, são detidos ou presos, demitidos ou expulsos, com maior ou menor intervenção do sistema judicial. Antes, com Vale e Azevedo, foi o que se sabe.
Com Bruno de Carvalho, o circo mediático e a fogueira de vaidades que todos alimentou. Com Luís Filipe Vieira, o primeiro presidente detido no exercício de funções, será o que o futuro indica. Sendo que largos dias têm um começo.
A sucessão do presidente do FC Porto tem sido, há anos imemoriais, o rastilho activador da bola de cristal daqueles que mais desejam ver o FC Porto sem o seu timoneiro de quase quatro décadas. Amado entre dragões, odiado por alguns dos seus rivais, admirado por quase todos, Pinto da Costa terá sido o português mais escrutinado desde o 25 de Abril. Tudo o que se podia fazer para o abater, foi operado. Sem o manto de protecção do poder centralista, foi sempre um alvo apetecível. Mas nunca fácil. O poder mexeu-se, volveu-se e fez tudo o que pôde à volta do "Apito Dourado", contando uma narrativa que, sendo de todos, foi pintada exclusivamente de azul e branco pela conveniência do regime. Filmes, livros, escutas vivas ou destruídas, sempre selectivas, processos e colectivos de juízes, rios de tinta, investigações com "stop" cirúrgico em Leiria, órgãos de comunicação social concertados e em peso, juntos, para a queimada. Mas quanto à tristeza e ao inconformismo perante crimes e suspeições, só se encontram viúvas nos principais rivais. É vê-las em negação.
O golpe para a liberdade
A estratégia de defesa de Luís Filipe Vieira, presidente eleito do Benfica, deu frutos, mas infelizmente para os benfiquistas (não para os vieiristas), dirigiu-se ao curto prazo e exclusivamente ao seu interesse pessoal. Absolutamente centrada na tentativa de evitar a prisão preventiva do arguido, passou pela inusitada auto-suspensão de funções e pela forma como a direcção do clube omitiu qualquer palavra de conforto, apoio ou invocação de presunção de inocência sobre o presidente detido. Tudo para moldar o convencimento do Ministério Público e do Juiz Carlos Alexandre sobre a impossibilidade de continuação da actividade criminosa. A estratégia foi montada e bem sucedida.
Nestes dias de surpresa e encanto, Vieira nada tem a ver com o Benfica, nem o Benfica quer saber de Vieira. Mas Vieira não se demitiu, não pediu a convocação de eleições, não abdicou do poder. Vem nos livros. Pensar que a direcção - a que agora Rui Costa preside interinamente - pode querer eternizar-se sem eleições, personificaria um golpe de Estado perpetrado pelo próprio poder. Imaginar que a direcção do Benfica cindiu com Luís Filipe Vieira num par de dias, como se não fosse com ele conivente de tantos anos de decisões, é uma leitura da maior ingenuidade.