PLANETA DO FUTEBOL -Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Não tem, nem cultiva, a imagem do treinador que faz desse embrulho uma forma cada vez mais frequente de afirmação e promoção no dito futebol moderno. Subiu antes pela corda das diversas divisões e agora orienta, pelo que joga e como fala dos jogos, uma das equipas que melhor futebol pratica no nosso campeonato: o Casa Pia (que na época passada subiu da II Liga). Filipe Martins é um treinador que vive na clandestinidade da imagem. E vive bem.
Ganhou em Braga num jogo de 110 minutos, elogiou os descontos e -como após a derrota em Alvalade -falou da mesma forma da ideia de jogo do seu onze. Não revolucionou nada taticamente, nem criou sistemas de jogadores "mutantes". Num 5x3x2 que ataca em 3x5x2 estão jogadores de "carne e osso" a partir do meio-campo (território central de Taira, Eteki ou Neto), médios que caminham nos subterrâneos do jogo à frente de três centrais.
Solta-se com um lateral-esquerdo a crescer para níveis altos, Lelo, e um japonês, Kunimoto, que anda fora e dentro (entenda-se faixa-centro) mas que não jogando em Braga ajudou a provar que na base desta equipa está mesmo a tal visão terrena e real do seu modelo com um treinador "anti-espelhos." As explosões de Godwin (espécie de Marega reciclado com mais técnica) e o velho instinto de Rafael Martins fizeram o resto (onde Ricardo Batista é o guarda-redes que não falha).
2 - O campeonato costuma sempre criar uma equipa sensação que surpreende a meter-se no topo e, se repararem bem, vejam se na maioria das vezes não são equipas feitas de matéria semelhante. Isto é, sem querer ganhar concursos de beleza, simplificando o jogo tático e sem imagens de sedução mediática. Pensem no Gil de Ricardo Soares ou no Paços de Ferreira de Pepa, como neste Casa Pia de Filipe Martins. Têm todos a mesma essência.
O futebol necessita, neste nível de classe média, de ser simplificado. Os jogadores que surgem nestas equipas não estão, em geral, disponíveis a excessos de informação tática. Mais do que lerem livros de revoluções táticas, querem eles próprios revolucionar as suas carreiras com coisas que entendem e executam sem grandes dúvidas. Sabem o que não podem fazer e exploram ao máximo o que podem fazer a mais do que, ao principio, a maioria lhes prognosticava. É nesse curto (tornado longo na esperteza dos jogos e confrontos com as tais equipas "projetos de imagem") que estes "treinadores terra-a-terra" inventam as sensações de cada campeonato. Há algo de "ovo de colombo" nisto tudo, até de irónico, mas o futebol não é uma ciência que admita, neste nível, ambições de laboratórios com muitos tudo de ensaio. Basta uma cozinha regional simples.
Arouca feito "à navalha"
Não faz ruído nos jogos porque quando faz os melhores resultados não deslumbra por exibições ofensivas. Nas suas melhores intenções, acredito que Armando Evangelista preferia que a equipa estivesse mais tempo a atacar, num futebol de posse em cima do adversário, mas a verdade é que este seu melhor Arouca é feito "à navalha" com outras bases, essencialmente de organização defensiva que, sobretudo marcando primeiro, sabe baixar o bloco sem dilemas estéticos, enfia um médio como terceiro central e aguenta o bloco com uma coesão e disciplina de posicionamentos irrepreensível. Ganhou assim em Vizela (como antes ao Sporting)
No futuro, acredito (e será justo) Evangelista terá oportunidade para, com consistência, poder jogar noutro modelo e ganhar de outra forma, mas, nesta fase, tal faz deste Arouca uma equipa competitiva a minar o jogo (o do adversário e o terreno que ele pisa e onde vai pelo ar).
Nesta vitória, uma nota especial para a entrada a titular de Sylla (não jogou Ruiz) à frente de Simão e com Soro a marcar atrás. No repentismo de Sylla (com ou sem bola, neste ponto a reagir muito bem) esteve o elemento que relançou taticamente um onze que, mantendo a tal solidez defensiva, atacou com outra imprevisibilidade rápida.