VISTO DO SOFÁ - Um artigo de opinião de Álvaro Magalhães.
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A ilha não se vê da ilha. Temos de sair dela para a podermos ver. Por isso, não admira que lá de fora se veja melhor o que se passa com a nossa Selecção.
O jornal espanhol «Marca» pôs essa realidade diante de nós: «Fernando Santos é um drama para Portugal. A Selecção portuguesa tem mais jogadores do que treinador.»
Mas há outro drama, ainda segundo o mesmo jornal, e esse é Cristiano Ronaldo: «Já não é a fera que matava sem piedade, mas ninguém se atreve a dizer que a sua voracidade está esgotada». Este «ninguém se atreve» é a chave da questão. Santos e Ronaldo são as duas vacas sagradas em que não se pode tocar. Já nos deram muito, dizem, e agora há que lhes agradecer e pagar.
Santos é um treinador de equipas pobres, não sabe lidar com a nossa actual abundância de talento. Tem bom senso, o que não é pouco, mas é temente e agarra-se aos seus dogmas e estreitezas de vista para sobreviver. E também às suas obrigações, como a de manter Cristiano Ronaldo, «a fumar o seu cigarrinho no ataque» durante os 90 minutos de um jogo decisivo. O problema é este: Santos foi para a Selecção para servir Ronaldo, que vinha de divergências com Carlos Queiroz e, depois, com Paulo Bento. Foi sempre um súbdito dele. Se, agora, o contrariar, está a rasgar o seu próprio papel. Afinal, ele é um assalariado da Federação, que está muito grata a Ronaldo e lhe paga com subserviência, mesmo com reverência. É a tal gratidão que a família Aveiro reclama. Carlos Carvalhal (grande candidato ao troféu «Cala-te, pá!) também o fez, e não foi o único. Pois bem, há muitos modos de agradecermos a Ronaldo. Multipliquem, pois, homenagens e afectos, ergam-lhe estátuas, cunhem moedas com a sua efígie, dêem o nome dele a estádios, avenidas, aeroportos. Tudo isso faz mais sentido do que deixá-lo envelhecer na Selecção. E para quê «dar-lhe a mão», como também exige a família, mais os seus fãs irredutíveis? Para ele bater o recorde de jogos sem marcar um golo e continuar a dar ao mundo o triste espectáculo da sua decadência?
Infelizmente, Ronaldo não está entre os que dominam a difícil arte de acabar a carreira na altura certa. Essa passagem do céu à terra equivale a uma primeira morte, a única que se sente e vive. Outros deuses da bola, como Matateu, Yauca, Eusébio, foram descendo degraus (União de Tomar, Salgueiros, Beira-Mar) até não haver mais para onde descer. Isso porque parar, deixar de jogar, era ainda pior. Garrincha, no final da vida, quando lhe pediam que deixasse de se embebedar, dizia: «Vocês sabem lá o que é ser Manuel dos Santos depois de ter sido Garrincha." E quem sabe o que é ser o Sr. Santos Aveiro depois de se ter sido Cristiano Ronaldo?
Seja como for, esse tempo ainda vem longe, pois Ronado já disse que quer jogar o Euro-2024. Como Fernando Santos também disse a um jornalista que tem contrato com a Federação até 2024, estes dois dramas portugueses não têm fim à vista. Há dramas assim, tenham paciência. Como dizem quase todos os pregadores desta paróquia: «Sejamos gratos, irmãos (a Selecção que se lixe) e iremos para o céu dos adeptos.»