FC Porto sempre cultivou o tipo de jogador mentiroso que nunca diz a verdade sobre se joga na faixa ou no meio
PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Nunca foi uma competição muito acarinhada desde o início. Enfiá-la no calendário era sempre um problema, jogava-se a duas mãos, quando calhava, já com a época a correr, em quartas-feiras à noite. A rivalidade crescente entre Benfica e FC Porto deu-lhe uma dimensão maior a partir de meados dos anos 80 e assim entramos pelos anos 90 em que esses clássicos, grandes jogos e grandes polémicas (dos penáltis defendidos pelo Baía ao José Pratas a atravessar a correr o relvado de Coimbra) se tornavam quase intermináveis, ganhando contornos épicos. Para acalmar a coisa, chegou-se a jogar uma vez um terceiro jogo de desempate em Paris. Resolveu-o Domingos com o 1-0 no Parque dos Príncipes.
É com a institucionalização de ser o jogo de abertura da época, num campo neutro, que a Supertaça ganhou, por fim, o seu espaço próprio de dignidade no calendário. Foi já no início deste milénio. Claro que o impacto do jogo depende dos protagonistas (a estreia de Jesus no Sporting contra o Benfica marcou a edição mais emocionante dos últimos anos) mas o formato adotado (inspirado no inglês) de jogo único, com a Federação apostando na coreografia, faz desta noite de futebol uma entrada perfeita para a nova época.
2 - O Tondela de Tozé Marreco sabia ser filho dum "Deus futebolístico menor" quando, seguindo o trilho dos "intrusos improváveis" das equipas de divisões secundárias neste palco, entrou em campo mas, pensaria taticamente na abordagem ao jogo, era "só" questão de aguentar... 90 minutos. Resistiu meia hora. Muito por razão dum guarda-redes que parece feito de peças articuladas, Babacar Niasse, a esguia girafa da Mauritânia que fez grandes defesas e foi negando o golo. Quando sofreu o segundo e não teve ajuda de Khacef que quase não se mexeu para chegar primeiro à bola do que Taremi, numa recarga, quase "comia" o defesa agarrando-o pelo colarinhos.
Gostei de ver ser lançado Danny Loader no onze portista como uma espécie de "terceiro avançado" que deambula, nas costas ou surgindo à frente, por entre Taremi e Evanilson (depois Marínez). A sua forma de jogar encaixa na leitura dos caminhos mais estreitos para a baliza adversária, as tais entre linhas ou os mais apertados de marcação dentro da área. É um jogador a nascer para outra dimensão.
Um sistema em permanentes trocas posicionais no trio ofensivo que confirmou a primeira invenção posicional da época: Pepê a jogar no meio, quase no "espaço 10", transformando-se entre médio ou segundo avançado, pegando na inspiração do ausente Otávio. O "Dragão-lab" de Conceição produz, assim, mais um... "novo jogador" que ainda há pouco tempo parecia, na raiz, destinado a ser só mais falso ala de diagonais. Juntando a necessidade de reinventar soluções para a equipa com a capacidade da sua aprendizagem tática, nasce assim esse "novo jogador". A segunda vida tática de Pepê.
3 - Há já várias décadas que o futebol moderno sentenciou que para jogar bem pelos flancos já não são precisos extremos. Não é só efeito da consagração dos laterais ofensivos mas também, nesta fase da dinâmica como "password" para perceber o jogo, da vocação mais vagabunda dos avançados e sua vontade de sair da zona de pressão maior do centro. Nascem assim os híbridos "avançados de faixa". O FC Porto sempre cultivou este tipo de jogador mentiroso que nunca diz a verdade sobre se joga na faixa ou no meio.
Com Conceição, esse elemento-metamorfose já foi, nestes seus anos no banco portista, de Marega a Taremi. Até Luis Díaz, mais visto como extremo pelo perfil de jogo velocista, tinha essa arte. Talvez por isso quando entra um extremo mais verdadeiro ele sente necessidade de ser mais "qualquer coisa". Será onde está escondida a forma de Galeno, exuberante em Braga, encontrar o espaço de explosão do talento no território tático portista. No fundo, necessita-se a invenção de mais um "novo jogador".
Como recordo a primeira Supertaça nacional?
Revejo as equipas que ganharam a Supertaça fora dos grandes e olho a ficha dum jogo de 79 com a memória dos meus 10 anos da altura. Era o Boavista de Mário Lino que se metia na Europa. Recordo-me de ver os "sprints" velozes do Salvador a isolar-se, a astúcia goleadora do Júlio, as jogadas do elástico Moinhos, extremo de outras eras, a classe do Ailton no meio-campo e o Adão a mandar na defesa. Foram mais duas vezes que o Boavista venceu a prova mas essa primeira equipa (que antes já ganhara a Taça ao Benfica com essas corridas com golo do Salvador) é eterna num tempo do futebol a preto e branco em que a correlação de forças do futebol português mudava (sobretudo com o emergir do poder dos clubes nortenhos).
O outro "intruso" conquistador foi o V. Guimarães, em 88, e recordo ver o segundo jogo, numa noite de nevoeiro nas Antas em que o Neno defendeu tudo (ficou 0-0) e segurou a vantagem da primeira mão. O técnico Geninho durou pouco no banco vimaranense mas esse troféu é seu para sempre num onze que tinha um lateral-direito incansável a subir e descer, o Nando, um médio corre-caminhos que, franzino, enchia o campo... fisicamente, o N"Dinga, um extremo rápido, Silvinho, que parecia voar baixinho, tal como o Roldão, junto dum avançado de classe que viera da Luz, o Chiquinho. Foram conquistas raras que por isso ganham ainda mais dimensão com o tempo.