PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 As declarações de Conceição, reconhecendo erro na transmissão, ao intervalo, daquilo que queria dos jogadores devolveram o protagonismo à análise do jogo.
A tendência da equipa partir de um 4x3x3 e depois variar para 4x4x2 já vem desde as suas fundações táticas como treinador do FC Porto mas nunca antes tinha ganho tanto esta variante losango nesse exercício de movimentações interligadas transformadoras do sistema.
Em geral, passa para um 4x4x2 mais clássico com dois pontas-de-lança (vindo um da faixa). Esta variante de Guimarães tem traços táticos mais evoluídos e de mais difícil aplicação e controlo.
2 Em síntese, mais do que mexer com os avançados e ataque final à baliza, mexe como os médios, o meio-campo, com implicação na elaboração de jogo.
A variante nasce da cultura dos jogadores. De como Vitinha sabe ser interior esquerdo de saída e Otávio é por natureza um falso ala que joga por dentro na meia-direita. Tendo, nesse momento, Fábio Vieira solto no centro como segundo avançado, é, porém, natural que ele, com a sua noção de jogo, quando a equipa precisa também se transforme num médio (quase um 10). Nesse momento (com Grujic a "pivô 6") o losango desenha-se naturalmente (ficando Taremi e Pepê, que vem da outra faixa para se juntar ao ataque central, como avançados).
O problema, porém, não é esse, mas sim o facto de com esse jogo mais interior de Otávio como médio e Pepê a quase fazer dupla com Taremi, a equipa perder jogo e ocupação pelas faixas. Quer para atacar na largura/profundidade (fica a depender dos laterais para isso), quer a defender essas coberturas em largura, onde a exigência é maior.
3 Era um jogo para ser disputado muito no meio-campo, frente a um Vitória que cresceu muito a nível de intensidade de pressão e critério de saída que junta mais o ataque (mesmo recuando um pouco os alas) e, assim, permite que ambos os setores (no fundo, a equipa toda) viaje taticamente junta nos diferentes momentos do jogo (algo que antes, com deficit de pressão, não sucedia).
Talvez essa consciência da necessidade de ganhar o jogo primeiro no meio-campo e só depois no ataque (na materialização do resultado) tenha levado o losango a quase nascer de geração tática espontânea. Foi, porém, quando o desfez como desenho omnipresente para voltar a ter os flancos e o jogo a toda a largura, que a equipa portista resgatou a sua essência de posicionamento e dinâmica.
Foi mais uma prova de que, como escrevia num artigo anterior, as equipas são como "seres vivos tático-coletivos" que às vezes, se deixadas um pouco (ou demais) à vontade, ganham vida própria e vão para locais não previstos e antes nunca vistos pelo seu treinador.
A necessidade faz o craque
Sá Pinto venceu em Barcelos e a melhor reação foi quando, em inferioridade numérica (expulsão do trinco/terceiro central Fábio Pacheco), decidiu... não mexer em nada. Em vez de recompor a defesa (estava 0-0), deixou a equipa reequilibrar-se por ela própria. Ficou em 4x4x1, mantendo coberturas defensivas (Franco-Jefferson dupla-pivô) e não perdeu saída para o ataque. Meteu mesmo Derik Lacerda e a ação deste pernilongo desde uma ala foi decisiva. É um jogador esquisito que parece desmontar-se a cada bola que recebe, mas sucede o contrário. Tem controlo, técnica e define bem o momento de soltar a bola. Esteve, assim, na gestação dos dois golos (com Jefferson a provar como é um n.º 8 para níveis altos). Só mexeu para, nos últimos 15 minutos, reforçar cobertura na esquerda, duplicando laterais (Amador junto de Frimpong, que foi para dentro).
O Santa Clara continua a perder jogadores pelo caminho mas a solução é não mudar a ideia de jogo nem o sistema e inventar ou fazer evoluir outros jogadores. Na frente, surge um japonês, Tagawa, e já marcou, enquanto com Lincoln lesionado vemos como Ricardinho pode ser mais do que um ala para boas jogadas. Metido no meio, como um 10, mostrou dotes de organização e remate.
Em suma: a necessidade da equipa faz o craque.