VELUDO AZUL - Opinião de Miguel Guedes
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A época das contratações virtuais e especulações reais abriu e nem o Euro 2020 dá descanso. Um carrossel de habilidades, circo voador de possibilidades com empresários à mistura, interesses à solta em clubes remediados e endividados, equipas de olheiros em desespero, "fair-play" financeiro por linhas tortas.
Contratar, colocar, vender, dispensar. A reposição do "stock" de jogadores no tempo de intervalo entre cada época, é um luxo de narrativas alternativas só desmontáveis por um "fact check" rigoroso, único e dedicado.
Na loucura do vai e vem de jogadores que o fim do Euro adensará, nem a evidente necessidade de contenção financeira irá colocar um ponto final nos boatos. Jogadores que se confirmam e se desmentem no próprio dia, pondo em causa os jogadores que se confirmam. É neste manto de desinformação que aparecem os jogadores que chegam e nos aparecem com rótulos. Aqueles que, pelos episódios do passado, criam conveniências, estatuto que reclama lugar ou geram as maiores desconfianças.
O que se dirá depois, quando surgir a primeira fotografia de um abraço entre Baró e Fábio? Chamar-lhe-emos traição?
A hipótese da contratação do central Fábio Cardoso pelo FC Porto gerou, de imediato, reacções naturais por parte dos adeptos que olham para o passado e desconfiam. Não pela formação realizada no principal rival, facto que não incomoda nenhum mortal. Pelo contrário: ver um jogador formado num adversário a vestir as nossas cores, é sempre afectivamente encarado como uma troca justa. Não pela ausência de qualidade do jogador, indiscutível e afirmada ao longo de sete épocas, a nível superior e ascendente, na divisão principal. Não pelo seu carácter e personalidade, luva na mão na atitude de um bloco defensivo com a cara de Sérgio Conceição.
À memória do adepto aparecem, de imediato, os lances rasgados de Fábio Cardoso contra o FC Porto, a ideia de defender um clube do coração para além daquele que envergava na camisola, somado a um ou outro lance discutível. Mas acima de tudo, o lance em que lesiona Romário Baró, na Taça da Liga em 2019, num carrinho duro, duríssimo.
Trocando de nomes, falando de Fábios. O que se pode verdadeiramente esquecer? A ideia de que Fábio Coentrão não foi contratado para o lado esquerdo da defesa do FC Porto pela pressão exercida pelos adeptos, fez caminho. O passado era muito, muito pesado. Depois da contratação de Maxi Pereira, pensar-se-ia que a memória estava a preço de saldo mas, lá está, Maxi "converteu-se" e até foi campeão. Passou a ser, indiscutivelmente, da casa.
Os adeptos têm enorme confiança no potencial de conversão ao portismo e têm razão. É muito difícil encontrar jogadores e treinadores que saiam do FC Porto sem sentir o clube, a cidade, os seus adeptos e as suas gentes. É muito difícil encontrar quem, não o sendo antes, não vire portista para sempre quando sai.
Política desportiva, num momento em que não sabemos quem fica ou parte: pode ser questionável contratar um central, olhando para o naipe de centrais que temos. Mas olhar para Fábio Cardoso à luz de um lance duro e infeliz sobre "um dos nossos", Romário Baró, e pensar que isso pode condicionar a sua contratação, é um acto amoroso de infantil portismo.
O que se dirá depois, quando surgir a primeira fotografia de um abraço entre Baró e Fábio? Chamar-lhe-emos traição?